As fotografias dos autores

O livro que estou a ler neste momento leva, na contracapa, uma fotografia do autor, o meu avô paterno, António José Saraiva. Mostra-o sorridente, com um aspeto jovial, como eu nunca o conheci – ou, se conheci, não me lembro. Este foi, creio, o último livro que publicou em vida, numa fase em que se…

Este desencontro entre a fotografia do autor usada no livro e a sua condição física no momento da publicação não é caso único. Todos gostam de fazer boa figura e alguns até ensaiam uma pose de intelectual pensativo, com a mão no queixo, ou um olhar sedutor – o que, devo esclarecer, nunca foi seguramente o caso do meu avô. E às editoras também lhes interessa promover uma certa imagem dos autores, tentando, nalguns casos, fazer deles verdadeiros sex symbols. Isso vende.

Ora, esta prática é perfeitamente compreensível e não tem mal nenhum. Mas leva a que o leitor fique muitas vezes com uma ideia dos seus heróis literários romantizada e que está longe de corresponder à realidade.

Poderia citar inúmeros casos de autores ‘favorecidos’ ou miraculosamente rejuvenescidos pela fotografia, mas limitar-me-ei a um em particular.

Quando se deu a morte de Gabriel García Márquez, há dois anos, estava de férias no Algarve e comprei vários jornais espanhóis que assinalaram o triste acontecimento com grandes trabalhos.

Num deles, encontrei um texto soberbo escrito por um amigo seu que falava dos últimos anos de vida do grande escritor colombiano. Foi um choque ler que García Marquez estava já muito doente, frágil e desmemoriado, pois no meu íntimo imaginava-o sempre como aparece na capa de “Viver para Contá-la”: vestido de branco, com a camisa por fora das calças, com um ar descontraído, vigoroso e bonacheirão. 

As fotografias nos livros têm essa capacidade de formar na nossa mente uma imagem duradoura, que não se altera, por muito que vão mudando os retratados. No caso de García Márquez, provavelmente era assim que ele goostaria de ser lembrado – descontraído, vigoroso e bonacheirão. Quem sou eu para contrariar o grande mestre? Quanto às poses pseudo-intelectuais ou sedutoras, aí lamento, mas as minhas reservas mantêm-se.