Slavoj Zizek. Provocações a bordo do Titanic

A chave do livro de Slavoj Zizek encontra-se em duas citações da obra de Oscar Wilde, “A Alma do Homem e o Socialismo”, que o autor convoca no início do texto: “É muito mais fácil ter-se simpatia para como o sofrimento do que ter-se simpatia para com o pensamento”, acrescentando- -lhe uma outra passagem de…

Não é por acaso que Zizek escolhe o grande provocador britânico para inventariar aquilo que se propõe neste livro. O esloveno coloca-se neste livro na posição que mais gosta: a de provocador. Mas sempre vai dizendo algumas coisas fundamentais: a solução para a questão dos refugiados, apesar dos horrores das imagens, não passa pela simples caridade para resolver o problema imediato de centenas de milhares de pessoas; embora esse drama tenha que ser já resolvido, a urgência da ação não nos pode dissuadir de afirmar que essas pessoas são sujeitas de direitos e não apenas objetos de caridade; o autor defende que a resolução da crise humanitária não se faz pela abertura, maior ou menor, das fronteiras, mas por responder aos problemas globais e das suas implicações nos países de origem dos refugiados; Zizek defende, também, que não se pode deixar à extrema-direita o monopólio da proximidade das pessoas e da preocupação sobre a situação criada na Europa com o enorme fluxo de refugiados. É talvez aí o ponto mais polémico do livro, a ideia que uma posição de abertura de fronteiras aqui e agora, é meramente uma posição simbólica de quem sabe que isso não acontecerá. Slavoj Zizek, num capítulo sugestivamente chamado “Quebrar os Tabus da Esquerda”, atira-se a uma conceção muito difundida da esquerda, dita multiculturalista, que “um inimigo é alguém cuja história nunca ouvimos”. Para o filósofo, “existe um claro limite para este procedimento: também estaremos prontos a afirmar que Hitler era só um inimigo porque a sua história não foi ouvida? Ou, será que , pelo contrário, quanto mais conheço e ‘compreendo’ Hitler, mais Hitler é o meu inimigo?”, nota.  E não se fica por aí, há em parte da esquerda a ideia que tudo o que vem dos oprimidos é necessariamente bom. Para além de defender que essas pessoas não sejam oprimidas deveríamos, segundo essa esquerda, compreender de tal maneira a sua situação e circunstâncias, que tudo o que eles fazem deve ser defendido. Para o autor da “Europa à Deriva” as coisas quase nunca são assim. Ele faz uma crítica similar a Etore Scola, no filme “Feios Porcos e Maus”, a miséria não nos faz ser boas pessoas e gente aconselhável. Mas isso só reforça a convicção que se deve combater as causas que levam as pessoas a ser exploradas. No seu pensamento, a contemporização com os aspetos retrógrados da religião, em prol de um multiculturalismo fofo, não existem. Ele recupera a ideia de Marx que “a religião é o ópio do povo” ao defender: “O próximo tabu a ser descartado sem piedade é a equiparação de qualquer referência ao legado emancipatório europeu com o imperialismo cultural e o racismo”.  Criticar práticas e conceções culturais do islamismo dos refugiados não significa ser cúmplice da sua opressão.”O próximo tabu esquerdista a deixar para trás é o de obstar a qualquer crítica ao islão como caso de ‘islamofobia’”. A superação desta situação de profunda desigualdade que se vive no mundo, e a situação de selvajaria que foram levados grande partes do territórios do mundo, a golpes de mísseis, não se corrigem por uma questão de tolerância multicultural, mas resolvendo as questões através de um novo projeto de  universalismo emancipatório. Para o autor, existem quatro antagonismos que podem permitir que o capitalismo global ,que gera os racistas e os fundamentalistas, não se reproduza eternamente: “a ameaça iminente de catástrofe ecológica, a inadequação da propriedade privada para a chamada ‘propriedade intelectual’, as implicações socio-éticas dos novos desenvolvimentos técnico-científicos (sobretudo a biogenética), e , por último, mas não menos importante, as novas formas de apartheid, os novos muros e bairros de lata”. É, para o autor, este aspeto final que politiza e da tom às contradições existentes no sistema. O drama é que populismos e fundamentalismos têm sido contestações por bom motivos, mas com mas respostas, como escrevia William Butler Yats, no “Segundo Advento”, “aos melhores falta convicção, e aos piores sobeja apaixonada intensidade”.  É disso que se trata, para o autor, criar um novo programa revolucionário para as gentes deste planeta. Como diz o provérbio Hopi: “nós somos aqueles de quem temos estado à espera”.