Luiz da Rocha expõe no Museu de Ovar

Inaugurou hoje no Museu de Ovar uma exposição de Luiz da Rocha, artista, professor e pensador radicado em Paris há perto de 50 anos e quase esquecido em Portugal.

Quando, no final dos anos 80, Mário Soares foi a Paris numa visita oficial, fez questão de apresentar ao seu amigo François Mitterrand um pintor português radicado em França. “Oui, je le connais déjà” (‘Já o conheço’), ripostou o Presidente francês. O pintor era Luiz da Rocha, que se tinha mudado para a capital gaulesa no final dos anos 60 e se movimentava com à-vontade nos circuitos intelectuais e de uma certa elite parisiense.

Mal conhecido em Portugal, de onde partiu há quase meio século, Darocha (é assim que costuma assinar as suas obras) tem agora uma exposição no Museu de Ovar, que inaugura hoje. “Falar sobre o Luiz da Rocha é-me fácil e é-me difícil, porque criámos uma relação de amizade”, diz o diretor do museu, Manuel Cleto. “É uma pessoa amabilíssima, de um trato fantástico, que vem aqui muitas vezes. Normalmente até almoçamos ou jantamos juntos, e eu disse-lhe que quando ele quisesse fazer uma exposição teria o museu à sua disposição. Infelizmente agora está doente e não vai poder vir”, lamenta Manuel Cleto. “Mas esta exposição talvez seja um incentivo para as melhoras dele”.

Nascido em 1945 em Oliveira de Azeméis, José Luiz da Rocha Páris Couto fez o curso de Pintura na Escola de Belas-Artes de Lisboa e em 1967 partiu para Londres. Com o amigo Suneet Chopra, hoje crítico de arte num influente jornal indiano, leu numa revista que podia ficar alterado se fumasse os fios de casca de banana. “Foi então que eu e o Suneet começámos a seguir um regime alimentar exclusivamente à base de bananas”, recordou o pintor numa conversa com a filha, Lia Rochas-Páris. “Assim recolhemos um bom número de fios que pusemos a secar no parapeito de uma janela, e ficámos à espera do grande dia para os usarmos, mas negligenciámos o clima de Londres. As chuvadas tinham levado os fios da banana”.

Tem uma cultura faraónica’

De Londres, Darocha viu-se em França no final da década de 60, “por razões imprevisíveis”, e ficou. Doutorou-se em Antropologia patológica e fez um estágio num hospital psiquiátrico. “Esse estágio ajudou-me a manter a distância em relação ao narcisismo de certos artistas, assim como em relação a pessoas cujo comportamento qualifico de ‘fala-barato-autista’”.

Passou por várias cidades antes de se fixar em Paris. Do período em que deu aulas em várias academias de Belas-Artes (Metz, Dijon, Limoges, Bourges, Reims), entre 1974 e 1997, gosta de recordar a angústia de uma empregada de limpeza por não poder deitar fora montes de beatas, papéis amachucados, garrafas vazias e outros objetos que os alunos iriam usar em instalações artísticas, mas que para ela não passavam de lixo.

Antes de adoecer, habitualmente Darocha levantava-se às cinco da madrugada, saía da sua casa-ateliê na Rue Marcel Duchamp, onde vivem inúmeros artistas, e ia para um café do 13.º Bairro escrever. “O meu pai é uma pessoa que tem uma cultura faraónica”, diz ao SOL Lia Rochas-Páris. “Ele leu imensamente e ensinou-me muitas coisas, de história da arte, certamente, mas também de história em geral e de literatura. Tem uma sede de saber e de partilha”. Manuel Cleto confirma: “É um pensador”.

O pequeno Chagall

Luiz da Rocha tanto pode assinar ‘Darocha’ como ‘Z. L. Darocha’, ‘Paris Couto’, ‘A. Pâris’, ‘Vão Gogo’ ou ‘Hellary Van Zelaast’, entre muitos outros. “Quando estou em harmonia, encaro cada dia como uma porta que se me abre, e esse ‘eu’ já não é o mesmo da véspera”, explicou à filha. “Um pouco como no castelo do Barba Azul, em que há muitas portas, das quais uma está interdita”. E é justamente essa que o atrai.

“Ele inspira-se na vida e nos sonhos” para criar, revela a filha. Personalidade multifacetada, todos têm dificuldade em defini-lo como artista. “A pintura do Luiz da Rocha é muito difícil de caracterizar”, diz o diretor do Museu de Ovar. “Ele tanto está no preto como está no amarelo, no vermelho ou no roxo. Há artistas que têm estilos muito definidos, que se identificam imediatamente. No caso dele, é um artista que muda completamente consoante a fase”. Ainda assim, uma revista francesa apelidou-o de ‘Petit Chagal’, dadas as semelhanças das suas pinturas coloridas e por vezes ingénuas com a obra do artista judeu nascido em Vitebsk.

Mas nem todas as suas obras são tão convencionais. Também fez instalações, performances, pliages e até objetos com peças de Lego. Em 1974 participou na exposição pioneira Art Vidéo/Confrontation no Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris.

Em Ovar, estão presentes cerca de 40 trabalhos de diferentes fases da sua pintura. “Esta exposição é feita com obras que ele enviou de Paris e com outras que estavam em Portugal”, esclarece Manuel Cleto. “Não é uma retrospetiva da carreira, pois a obra dele é vastíssima e há fases que não estão representadas, mas ele conseguiu arranjar obras de várias épocas que dão uma ideia da diversidade e riqueza do seu percurso”.