Sócrates usa carro pago pelo Grupo Lena

O Audi, que em 2010 tinha um valor comercial de 50 mil euros, pertenceu primeiro ao irmão, que pagou apenas algumas prestações. Quando este faleceu, o Grupo Lena suportou o resto dos encargos, o carro passou para nome de Maria Adelaide e é Sócrates quem o usa.

José Sócrates utiliza um carro que era do seu falecido irmão e que foi pago com dinheiro originário do Grupo Lena e de uma conta bancária de um alegado negócio em Angola entre o grupo de Leiria e o empresário Carlos Santos Silva. Para os investigadores da Operação Marquês, este facto constitui mais uma prova da proximidade suspeita entre aquele grupo empresarial e o antigo primeiro-ministro.

A viatura em causa, um Audi A5 que tinha o valor comercial de 50 mil euros quando foi adquirido, há seis anos, foi oferecido pelo Grupo Lena à mãe de Sócrates, Maria Adelaide Pinto de Sousa, apesar de inicialmente pertencer ao irmão, António Pinto de Sousa, falecido em 2011.

Depósitos em numerário

Funcionário do Instituto Português da Droga e Toxicodependência e com um ordenado mensal de 750 euros, o irmão do ex-chefe do Governo decidira, em junho de 2010, adquirir o carro através de um contrato em ALD (aluguer de longa duração, idêntico ao leasing) à RentLei, sociedade do Grupo Lena dedicada ao aluguer de automóveis.

Só que o negócio já se apresentava à partida problemático para esta empresa, que não era concessionária da marca alemã. Por isso, para satisfazer o pedido, a rent-a-car teve de se financiar através de um leasing efetuado junto da Caixa Leasing e Factoring, uma empresa do grupo Caixa Geral de Depósitos vocacionada para essas formas de crédito ao consumo.

António Pinto de Sousa escolheu como pagamento mensal fixo, para os quatro anos em que duraria o ALD, uma renda de 600 euros – o que na altura constituía quase a totalidade do seu vencimento. Essa mensalidade, somada à da vivenda da Linha de Cascais onde habitava, ser-lhe-ia incomportável, não fossem os depósitos que todos os meses eram feitos em numerário na sua conta bancária. O Ministério Público suspeita que esses depósitos tinham origem também no empresário Carlos Santos Silva, o amigo de juventude de Sócrates e que lhe serviu ao longo dos anos como testa-de-ferro da sua fortuna.

Apesar de, segundo o contrato de ALD com a RentLei, a entrada inicial ser obrigatória, António Pinto de Sousa não a liquidou e quem avançou com o sinal de mil euros foi o próprio Grupo Lena –  que tanto o MP como a Inspeção Tributária, a dupla envolvida na investigação, suspeitam que tenha pago ‘luvas’ a Sócrates enquanto governante, para conseguir adjudicações oficiais de projetos. Comissões ilegais que teriam contribuído para grande parte dos cerca de 23 milhões de euros que o ex-primeiro-ministro detinha num banco suíço por intermédio de Santos Silva e que, entretanto, foram transferidos para Portugal.

Segundo o SOL apurou, António Pinto de Sousa ia pagando as mensalidades à RentLei com uma pontualidade irregular. No entanto, a 2 de agosto de 2011, imediatamente a seguir às eleições legislativas que determinaram o afastamento de Sócrates do Governo, António Pinto de Sousa morreu numa clínica em Espanha (tendo o funeral sido pago também com dinheiro em numerário entregue por Santos Silva, dessa vez através de João Perna, motorista de Sócrates).

Venda simulada à mãe

Em outubro desse ano, a família comunicou o falecimento à RentLei, com a informação de que o Audi teria que mudar de nome.

O carro, através de uma venda simulada, passa então para a esfera de Maria Adelaide, apesar de esta não ter carta de condução nem tão pouco dinheiro para a transação. Para revestir o negócio de uma aparente legalidade, o grupo de Leiria abateu – através de uma verba em dólares que trouxera de Angola, onde tinha projetos em execução – não só as rendas em atraso, como a entrada inicial e uma parte do valor total do carro às contas da RentLei. O restante do encargo foi debitado a uma conta do referido negócio que o grupo terá com Santos Silva em Angola e que está sob investigação.

No entanto a RentLei continuou a suportar o encargo do leasing até 2014, data em que terminou o contrato. Toda a operação resultou em prejuízo para o grupo, já que a empresa teve de pagar à Caixa Leasing e Factoring os quase três anos de prestações que ainda faltavam para cumprir o contrato de leasing. Do ponto de vista formal, o proprietário da viatura até 2014 foi a Caixa Leasing e Factoring, passando um ano depois a sua titularidade para Maria Adelaide.

O carro, na realidade, segundo o SOL apurou entre vizinhos de Sócrates, esteve sempre na garagem do edifício Heron, na Rua Castilho, em Lisboa, onde se situava o apartamento do antigo líder do PS.

Era Sócrates, aliás, quem dispunha do Audi, embora Maria Adelaide fosse por vezes nele conduzida pela empregada, como aconteceu num episódio em que a senhora, quando se deslocava para visitar o filho, foi surpreendida por jornalistas, insultando-os com o mais apropriado calão.

O antigo primeiro-ministro vendeu, entretanto, o apartamento no Heron Castilho, alegadamente para pagar parte do empréstimo que assegura ter apalavrado com o amigo Carlos Santos Silva. E, em 2016, desfez-se também do Mercedes que adquirira através de um empréstimo que lhe fora concedido pela Caixa Geral de Depósitos. O Audi A5 pago pelo Grupo Lena, e pela alegada conta de um negócio que esta empresa terá com Santos Silva e que se encontra sob investigação, é neste momento o único carro da família.

felicia.cabrita@sol.pt