Desculpa-me Ronaldo

 Apesar de achar alguma graça a futebol nunca me tinha sentido a deslizar pela cadeira ao longo de 90 minutos até ficar mesmo ali na beirinha, cabeça a querer entrar no ecrã do televisor, voz desbragada, crente que se a projetasse devidamente eles me ouviriam.

Lembro-me da primeira vez que a seleção nacional me disse alguma coisa. Corria o ano de 2000 e eu vivia em Roma, ao abrigo do programa Erasmus. Apesar de achar alguma graça a futebol nunca me tinha sentido a deslizar pela cadeira ao longo de 90 minutos até ficar mesmo ali na beirinha, cabeça a querer entrar no ecrã do televisor, voz desbragada, crente que se a projetasse devidamente eles me ouviriam. Eles. Vítor Baía, João Pinto, Nuno Gomes, Luís Figo. Eles que passaram, um a um, todos os obstáculos. Eles que venceram aquela Inglaterra que parecia já ter tirado a medida do nosso caixão. Eles que caíram aos pés daquela França, a do Zidane, que aos 117 minutos marcou um penálti que nos roubou a final. Percebi aí o que era isso de ser imigrante e, de repente, a seleção, os nossos meninos, serem como primos, tios, irmãos, melhores amigos. Percebi o que era aquele desejo desmesurado de vitória. Não apenas pela vitória mas pela possibilidade que essa vitória oferecia de dizer a toda a gente que eu estava longe do meu país mas que o meu país era aquele. Aquele que era campeão. Por isto, quando vejo os treinos da nossa seleção, cheios de portugueses que há muito vivem em França, quando os vi ontem encherem as ruas de Paris, de Lyon, do mundo, lágrimas nos olhos, voz embargada, sei o que sentiam. E sei que sentem ainda mais do que nós, que estamos cá. E por isso não consegui evitar sentir um peso na consciência. Conheci o Fernando Santos poucos meses antes de este ter sido nomeado selecionador nacional. Na altura em que foi nomeado tínhamos uma entrevista agendada, uma entrevista que não desmarcou, apesar de saber que lhe faria perguntas às quais não poderia ainda responder. Mesmo assim, quando disse que só voltava para casa dia 11, não acreditei. Não acreditei sequer que passássemos da fase de grupos. Não nos vi a jogar com aquela garra, aquele querer. O mesmo que, em 2000, e depois em 2004, nos levou, a todos, mais longe. Nem sequer reconheci em Cristiano Ronaldo o perfil de capitão. Isto até o ter visto gritar para João Moutinho para que este marcasse um penálti. E depois ter visto aquela garra e aquele querer frente ao País de Gales, um jogo em que vi uma seleção que quer ser campeã da Europa e que sabe que o momento é este. Por isso, desculpem-me Ronaldo, Nani, Quaresma, Renato, Fernando Santos. Desculpem-me todos. Sim, vocês só voltam dia 11. E nós cá estaremos à vossa espera.