Os cortinados da sala

O impacto de um quadro depende da moldura que o enquadra e também do modo como é integrado num espaço

Quando eu era jovem estudante de Belas-Artes considerava-me superior à generalidade dos outros vulgares cidadãos, pelo menos em matéria artística. O meu grupo de colegas comprazia-se em ridicularizar a total falta de cultura artística da maioria das pessoas, em particular dos novos-ricos que tinham dinheiro para comprar obras de arte mas eram completamente incultos na matéria. 

Uma história que circulava entre nós – verdadeira ou não, pouco nos importava – envolvia a mulher de um ‘ricaço’ que tinha comprado um quadro caríssimo porque os tons ligavam bem com os cortinados da sala.
Ríamos às lágrimas com esta história, que na verdade é hilariante. Uma pessoa dar milhões por uma obra de arte porque liga bem com os cortinados é um verdadeiro atentado à arte. Um insulto ao artista que o pintou e à própria pintura. 

Hoje, porém, já não me riria com tanta ligeireza da atitude da senhora. A questão é que, a partir do momento em que um quadro é introduzido numa sala, deixa de ser só uma obra de arte e passa a ser também um objeto decorativo. Passa a fazer parte da ‘decoração’ – e, como tal, tem de se encaixar bem no ambiente. O quadro deixa de valer só por si, pela qualidade artística, passando a valer por todas as suas características, desde o estilo às cores dominantes e à própria moldura. 

Assim, vejo-me por vezes a mudar a posição de um quadro na minha sala porque acho que não fica bem no sítio onde está. Nem sempre sou capaz de perceber a razão do desconforto, mas ela é inequívoca. 

O problema nunca é a cor dos cortinados, pois não tenho cortinados na sala, que em geral tornam o ambiente pesado e não permitem que as janelas fiquem completamente desimpedidas. Mas, no meio das dúvidas, há alguns fatores que podem ser enumerados, evitando erros de posicionamento grosseiros ou facilitando a integração. 

Dou alguns exemplos. Um quadro com predominância de brancos fica bem numa zona onde haja outros brancos. Se for rodeado de cores escuras, torna-se um intruso. Um quadro onde predominem os tons pastel integra-se bem num local com outros tons pastel – a saber, sofás de tecido (ou pele) castanha ou verde azeitona. Mas, se os sofás forem cor-de-rosa ou verde bandeira, esse quadro integrar-se-á obviamente muito mal. E, como não se vão trocar os sofás, é mais fácil trocar a posição do quadro…

André Malraux, que foi ministro da Cultura de De Gaulle, dedicou praticamente um livro inteiro (Le Musée Imaginaire) a falar da moldura, ou melhor, da importância da moldura na pintura. De facto, uma moldura pode alterar por completo o impacto que um quadro nos provoca. O mesmo quadro, com uma moldura barroca cheia de dourados ou com uma simples moldura fina negra, não parece o mesmo. 

Quer isto dizer que uma pintura vive também do modo como é ‘enquadrada’.  E isto tanto vale para a moldura propriamente dita como para o ambiente em que é inserida. 

Assim, não basta ter gosto pela arte e dinheiro para a comprar. É preciso saber encaixar a arte no espaço, saber integrá-la no ambiente – de modo a valorizar as próprias peças e, simultaneamente, as pessoas se sentirem confortáveis no convívio com elas. 

Concluindo, se é ridículo escolher um quadro a partir das cores dos cortinados da sala, também não se pode colocar um quadro qualquer ao lado de um cortinado qualquer. É preciso ver se os tons são compatíveis, de modo a evitar uma estridência visual incómoda. 

É preciso sensibilidade para colocar um quadro no sítio certo – onde se valorize. E, já agora, é bom que ele não estrague o efeito dos cortinados. Porque, se uma pessoa os comprou, é porque também gosta deles – e não vai deitar fora os cortinados por causa do quadro.

Como conselho final, diria que o mais sensato é comprar cortinados de cor neutra, que não entrem em conflito com outras cores existentes na sala. Mas, estando nós no Verão, abro uma exceção para as casas de praia, onde se aceitam cores mais vivas, um aspeto geral mais garrido – e quadros que, podendo não ser grandes obras de arte, contribuam para a leveza do ambiente.