Angola: Bloco de Esquerda foi ao congresso do centro-direita

Bloco aceitou o convite da oposição ao regime angolano para ir ao congresso que reelegeu Chivukuvuku. Membros da CASA já estiveram em eventos do BE

O Bloco de Esquerda foi ao congresso da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), um partido de oposição ao regime liderado por José Eduardo dos Santos cuja preferência ideológica recai no centro-direita, bem distante da esquerda bloquista.

Depois de ser o único partido do parlamento português a não enviar uma delegação ao último congresso do MPLA, com quem tem fortes discordâncias a nível democrático e humanitário, o Bloco foi ao congresso da CASA, que terminou na passada sexta-feira.

Deputados do Bloco de Esquerda assumem ao i que esta não foi uma decisão do grupo parlamentar, tendo passado pelo departamento de relações internacionais do partido. 

Especialistas académicos clarificaram ao i que Angola não é um contexto “normal”, no sentido em que “a abordagem política lá fora não é, naturalmente, a mesma a usar na política interna”. “Mesmo que o Bloco Democrático seja, se quisermos, o ‘partido-irmão’ do BE em Angola, é compreensível que estabeleçam proximidades com esta convergência de oposições contra um regime a que claramente se opõem.” O i sabe que foi o Bloco Democrático, uma oposição ao MPLA mais dentro do panorama ideológico do Bloco de Esquerda, que fez de corpo intermédio entre a CASA e o partido português. 

Abel Chivukuvuku, reeleito presidente da CASA com 646 votos, fez um discurso com várias menções à Bíblia e a São Tomás de Aquino. O i sabe que o representante do Bloco no congresso de oposição angolana, Bruno Góis, aplaudiu e elogiou o discurso de Chivukuvuku. O homem que veio da UNITA lidera a CASA com valores próximos da democracia cristã. 

Hélder Amaral, representante oficial do CDS neste congresso, afirmou ao i: “Registo com muito agrado a aproximação do Bloco de Esquerda à doutrina social da Igreja. É sinal de que estão à procura do caminho justo, mais perto de Deus”, sorriu o deputado centrista. 

Amaral, que também liderou a delegação do CDS ao congresso do MPLA, diz que “há sinais novos no Bloco” que aplaude e devem ser “protegidos”. 

Hélder Amaral recorda que o CDS enviou “delegações similares a todos os partidos”. “Falamos com todos os que nos convidam, democraticamente.” O PS, que enviou o seu presidente ao congresso do MPLA, delegou um deputado para o congresso da CASA. O PSD, que havia enviado dois vice-presidentes ao MPLA, também só enviou um deputado à coligação opositora ao regime angolano.

Lívia Franco, especialista em relações internacionais e professora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, vê a ida do Bloco de Esquerda ao congresso da CASA com normalidade. “É perfeitamente natural que partidos políticos tenham interesse em ir a congressos e reuniões magnas para observar as sensibilidades e estratégias de outros partidos.” Para a professora universitária, o único dado excecional passa por o Bloco ter ultrapassado “algum preconceito ideológico” porque, “independentemente dessas diferenças, aqui, a prática política tem um objetivo comum: defender a alternância democrática num regime de cariz autoritário”. 

A intervenção do Bloco de Esquerda na abertura do congresso da CASA foi marcada por um discurso pacifista por parte de Bruno Góis. Para o bloquista, “paz é uma luta presente” pela democracia e deve ser a prioridade para a democratização e o progresso em Angola. 

Góis é responsável do departamento internacional do BE e a defesa da liberdade de expressão parece permanecer na agenda do Bloco desde a forte posição contra a prisão de Luaty Beirão e respetivos camaradas. Góis defendeu que é importante que “as consciências, as opiniões se expressem democraticamente e para que cada angolano pudesse ser decisor do seu futuro”. 

“Um Estado onde cada pessoa possa exprimir a sua opinião, em que possa haver divergência de opiniões e em que cada uma e cada um possa trabalhar pelo de-senvolvimento do seu país. Afirmar esta grande nação, um futuro de uma Angola mais livre, mais desenvolvida, uma Angola para todos”, defendeu.

O enviado oficial do Bloco de Esquerda assumiu relações privilegiadas com a CASA-CE e o Bloco Democrático, justificando a relação com o preenchimento de “ requisitos”: “É uma força nova que pretende trazer desenvolvimento e democracia para Angola e é nessa base que o BE tem relações com essa força política.”

A CASA é membro da Internacional Democrata Centrista, de que faz parte a CDU alemã, liderada por Angela Merkel, o Partido Popular Espanhol de Mariano Rajoy e o PSD de Passos Coelho – conhecidos pelo Bloco de Esquerda como partidos “da austeridade”. 

Bruno Góis realçou as relações históricas entre o povo angolano e o povo português, embora não tenha perdido oportunidade de acusar “o entrelaçamento de alguns interesses dominantes do Estado português e interesses dominantes da economia angolana e da política de Angola”. O regime angolano havia acusado os partidos portugueses de interferirem na sua soberania aquando do voto de condenação parlamentar pela prisão dos ativistas ligados a Luaty. Em Luanda, o Bloco não deixou de responder a José Eduardo dos Santos. “Temos imenso respeito pela soberania nacional angolana, o que não nos impede de ter opinião sobre a política angolana, sobre a luta pelos direitos sociais e pelas liberdades em Angola.”