Operação Marquês. Buscas revelam que Dirceu é peça-chave

Investigadores encontraram diversos documentos do homem forte de Lula da Silva em escritório de advogados em Lisboa. Havia dossiês com faturas de viagens, cópias de passaporte e extratos bancários com anotações manuscritas

O conluio entre José Sócrates e o poder político brasileiro, nomeadamente Lula da Silva e José Dirceu, terá estado na origem de parte significativa das luvas que o ex-primeiro-ministro recebeu, segundo defendem os investigadores da Operação Marquês. Sempre com a Portugal Telecom como pano de fundo, a nova fase da investigação acredita que Sócrates não só se opôs à oferta pública de aquisição (OPA) da Sonae sobre a PT – pondo um ponto final no negócio com o uso da golden share – como ainda condicionou, numa fase posterior, a venda da participação da PT na brasileira Vivo aos interesses de políticos do Brasil.

Durante todo este período, ou seja, entre 2006 e 2011, foram feitas diversas movimentações financeiras de vários milhões de euros e que tinham como origem entidades do universo GES e destino final contas de Carlos Santos Silva (que, para o MP, não passa de um testa-de-ferro de José Sócrates). O Grupo Espírito Santo, enquanto acionista da PT, foi, segundo o MP, um dos grandes beneficiários de todas as decisões tomadas.

Na verdade, os grandes beneficiários terão sido, além de Sócrates, o GES e alguns políticos brasileiros. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) acredita mesmo que a venda da participação na Vivo à Telefónica (em 2011) só se concretizou quando foi garantido que parte do dinheiro resultante da transação seria para investir na Oi – empresa que, à época, estava a passar por uma asfixia financeira, tendo até beneficiado de uma injeção de dinheiros públicos decidida pelo governo de Lula.

A PT acabou por vender a sua parte da Vivo por 7,5 mil milhões de euros e a alegada contrapartida colocada por Sócrates para que não se opusesse ao negócio era a entrada no capital da Oi, o que acabou por acontecer: adquiriu uma participação de 22% por 3,7 mil milhões de euros.

José Dirceu investigado É na intermediação de todos estes negócios que entra José Dirceu Oliveira e Silva, homem forte de Lula da Silva, que no Brasil está preso no âmbito dos casos Mensalão e Lava Jato.

O MP acredita que, pelo menos desde 2008, houve contactos entre o poder político brasileiro e os administradores de peso da PT – como o GES – para que a telefónica portuguesa investisse na Oi, que resultou da fusão da Telemar com a Brasil Telecom e era controlada à data pela empresa Andrade Gutierrez – investigada na Operação Lava Jato – e pelo grupo La Fonte.

Ainda não tinha passado um ano desde que a OPA da Sonae caíra (2007) quando os brasileiros pediram a um escritório de advogados com sede na Rua Castilho (a mesma onde morava o ex-primeiro-ministro), em Lisboa, para fazer os primeiros contactos com os acionistas de peso da Portugal Telecom, entre os quais o Grupo Espírito Santo (GES).

O escritório Lima, Serra, Fernandes & Associados, sobretudo os advogados João Fernando Neto Abrantes Serra e José Pedro Vaz Fernandes, terão mesmo proporcionado vários encontros entre José Dirceu e os acionistas mais significativos da PT.

O MP terá ainda descoberto que foi criada uma sociedade pelo advogado João Serra a que esteve ligado o irmão de José Dirceu – Luiz Eduardo Oliveira e Silva – e cuja atividade estaria ligada aos contactos em curso. A sociedade Oliveira Silva & Serra, Lda., tinha sede na mesma morada que o escritório Lima, Serra, Fernandes & Associados (ver págs. 8-9).

As buscas ao escritório Dada a centralidade do escritório para a investigação em curso, o i sabe que foram levadas a cabo buscas ao 13.o H do n.o 39 da Rua Castilho, a 13 de julho de 2016. E foi nessa diligência que o procurador Rosário Teixeira se deparou com diversos documentos pessoais do ex-ministro da Casa Civil do governo de Lula.

O i sabe mesmo que entre os documentos estão agendas, com o símbolo da construtora brasileira Passareli, dos anos 2007, 2008 e 2009, informações que ajudarão a perceber como e onde aconteceram os encontros entre Dirceu e os acionistas da Portugal Telecom.

Nas buscas terão ainda sido encontrados documentos com anotações manuscritas, com referência à Vivo, Telemar e Brasil Telecom, juntamente com cópias do passaporte do próprio José Dirceu.

Informações recolhidas pelo i dão conta de que as cópias do passaporte estavam lado a lado com referências a comissões geradas pelos negócios da Vivo, Telemar e Brasil Telecom, o que para os procuradores é revelador de que existiu um envolvimento do político brasileiro – um entendimento reforçado pelas condenações de que foi alvo no Brasil pela prática de crimes económicos, nomeadamente corrupção.

Além de documentos relativos a diversas viagens entre Portugal e o Brasil, foram localizados extratos bancários com notas escritas à mão, lembrando que determinados valores pertenciam ao brasileiro. Numa das pastas foram ainda encontrados documentos relativos a interesses de sociedades ligadas a Dirceu.

Ligação de advogados à Lena Mas o puzzle ficou ainda mais complexo quando, durante as buscas, os investigadores se aperceberam de que havia ligações do escritório de advogados à construtora Abrantina – alguns advogados teriam sido administradores da empresa no período em que esta foi integrada no Grupo Lena.

Com esta nova informação relativa ao grupo de Leiria, o MP acredita ter fechado a ligação entre todos os vértices da teia (ver esquema). E não fica descartado, por isso, que as sociedades criadas pelos vários intervenientes – quer os que estão ligados ao grupo Lena, quer os que estão ligados a este escritório – possam ter tido o objetivo de camuflar as contrapartidas indevidas pagas a José Sócrates.

Escritório contesta buscas O escritório de advogados Lima, Serra, Fernandes & Associados apresentou uma queixa contra a realização de buscas, considerando que alguns dos documentos apreendidos, como as agendas, estavam sujeitos a sigilo profissional, mas o DCIAP considerou que a argumentação não tinha qualquer fundamento.

A investigação considera que a apreensão de material não devassa a vida de quem quer que seja, uma vez que o objetivo é o de provar a existência de encontros e reuniões onde foram concertadas as estratégias que deram lugar a pagamento de comissões indevidas.

Os investigadores terão mesmo feito referência ao facto de serem as agendas um documento fundamental para se detetarem possíveis encontros.