José António Saraiva: ‘Quis deixar um contributo para a história’

Parecia algo nervoso, mas era só aparência. Mediu bem as palavras e nas mais de duas horas de entrevista nunca se irritou, mesmo quando foi picado com coisas pessoais. Reafirma que teria escrito o livro de novo, embora se sinta incomodado com o terramoto que provocou. Acha que os políticos não vão deixar de lhe…

Desde a publicação do livro já falou com algum dos políticos visados?

Falei com o Dr. Passos Coelho, que é [era] apresentador do livro. De resto, ninguém me contactou, nem direta nem indiretamente.

Mas tem lido os inúmeros textos que têm saído sobre si e sobre o livro Eu e os Políticos?

Não. Nestas alturas procuro meter-me numa bolha, por autodefesa e para conservar alguma distância em relação a coisas que acho que me poderiam magoar ou que têm um nível tão baixo, como me disseram, que não vale a pena ler. Aliás, a maior parte dos ataques são de pessoas que dizem que não leram o livro, pelo que não têm qualquer valor. Outros, revelam as pessoas pela linguagem que usam. Tenho acompanhado a polémica à distância.

Diz que não quer ser magoado com o que têm sido dito de si, mas o que acha que os visados no seu livro sentem, além de familiares e amigos de pessoas que já não estão vivas?

Aí há várias coisas misturadas. Primeiro, nunca fui uma pessoa querida na classe jornalística, toda a gente sabe isso. Provavelmente porque nunca frequentei as tertúlias jornalísticas, porque sou arquiteto e portanto sou estranho à classe, e porque desempenhei lugares que porventura outros gostariam de ter desempenhado e para os quais achavam que tinham mais qualidades do que eu. Eu sou sempre ‘o arquiteto’. Há um conjunto grande de razões que fizeram com que eu não fosse uma pessoa querida e acho que aproveitam este momento, em que pensam que estou mais vulnerável, para me caírem em cima como uma alcateia. Posto isto, com certeza que admito que haja pessoas que se sintam magoadas. Admito e respeito. Mas a verdade magoa. Quando dizemos que [François] Mitterrand teve relações e uma filha fora do casamento, isso magoa. Mas é a verdade. Em último lugar, penso que há um politicamente correto que veio ao de cima com grande fragor porque este livro inaugura um tempo novo. Este livro vai ficar como um clássico da literatura política. E o escândalo que provocou é o escândalo que provocam todas as obras que são grandes gritos de liberdade. O Picasso provocou escândalo. Não estou a comparar-me com o Picasso, mas no nosso pequeno universo este livro é um sopro de liberdade — e por isso provocou um terramoto.

Sempre mostrou os outros livros que escreveu a alguém antes de os publicar, como à sua mulher. Por que decidiu que este não mostrava a ninguém?

Queria que fosse um exercício de liberdade total. Se começasse a mostrá-lo, iam começar a dizer-me: «Não publiques isto que é chato, não publiques aquilo que vai ofender…». Às tantas não sobrava nada. Decidi fazer um exercício solitário, a responsabilidade é minha. A primeira pessoa que leu o livro foi o editor.

Não receia que não ter mostrado o livro pode ter dado azo a algumas imprecisões?

Claro que admito, e digo-o no prefácio, que podem existir imprecisões, até porque muitas coisas são reproduzidas de memória. Mas relativamente a coisas decisivas é muito difícil que isso aconteça. Há coisas para as quais tenho uma péssima memória, como por exemplo as viagens que já fiz, mas há outras coisas, algumas que já se passaram há muito tempo, que recordo ao pormenor. Há frases com 40 anos que recordo ipsis verbis.

Estava a referir que sabe as reações que este livro tem provocado, apesar de tentar proteger-se. Mas foi em busca do escândalo que o escreveu?

Não. Para mim, isto foi completamente inesperado.

Mas nunca negou que gostava de chocar, de surpreender.

E até de provocar, admito. Paradoxalmente, não gosto muito de ser protagonista. Gosto de fazer coisas provocatórias, às vezes de forma mais agreste, mas não gosto de protagonismo. Por isso nunca gostei de televisão, sempre evitei lá ir. O protagonismo que agora estou involuntariamente a ter incomoda-me bastante. Portanto, se me perguntam se provoquei este escândalo… não. O que posso dizer é que tinha escrito dois livros – Confissões de um Diretor de Jornal [2003] e Confissões – Os Últimos Anos no Expresso, o Nascer do Sol e as Conversas com Políticos à Mesa [2006] – onde tinha contado alguns episódios que também relato neste livro. E passaram despercebidos, não provocaram escândalo nenhum. Portanto, escrevi este livro com a noção de que pisava o risco mas nunca que provocaria uma hecatombe destas.

Quando diz que não gosta de protagonismo, mas lança um livro que se chama Eu e os Políticos, põe-se no epicentro da questão. Não há aqui alguma incongruência?

O editor chamou-me a atenção para isso. Ele preferia que o livro se chamasse O Livro Proibido, precisamente para não dar a ideia do eu, eu, eu. Mas a verdade é que este título era o que resumia melhor o que é o livro: as minhas relações com políticos ao longo de quase 40 anos. E joga muito bem com o subtítulo [O que não pude (ou não quis) escrever até hoje], que justifica o egocentrismo do título.

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