Livro de Saraiva: Passos Coelho leu e não gostou

O líder do PSD garantiu duas vezes que iria apresentar o livro de José António Saraiva, mas mudou de ideias depois de ler a obra. E explicou: «Não gostaria de ficar associado»

Livro de Saraiva: Passos Coelho leu e não gostou

Ao sexto dia, Pedro Passos Coelho recuou e anunciou publicamente que não iria apresentar o livro Eu e os Políticos, da autoria do ex-diretor do SOL e do Expresso, José António Saraiva. 

O que mudou? O líder do PSD leu o livro e preferiu não ficar «associado» a uma obra que aborda «questões privadas e da intimidade das pessoas». 

A polémica nasceu há oito dias com a manchete do Diário de Notícias destacando que Passos Coelho iria apresentar um livro com «revelações da vida sexual dos políticos». O presidente do PSD foi confrontado pelo jornal com o facto de o livro abordar «várias histórias que lhe foram contadas em privado, muitas delas de conteúdo sexual», mas, através de uma nota do gabinete de imprensa, garantiu que «aceitou o convite mesmo antes de ler o livro. Este convite foi aceite tendo em conta a admiração que o dr. Pedro Passos Coelho tem pela carreira e pelo papel que o arquiteto José António Saraiva desempenhou e desempenha no jornalismo português».

No dia seguinte, foi o próprio Passos a garantir que iria estar na apresentação da obra, agendada para dia 26 e entretanto cancelada pela editora – a Gradiva – por razões de segurança. «Aceitei fazê-lo e não sou homem de voltar com a palavra atrás, nem sou de me desculpar e dar o dito por não dito», disse na altura o líder do PSD.

Quando já ninguém  acreditava que Passos mudasse de opinião, fê-lo. «Não sou de voltar com a minha palavra atrás e, portanto, pedi ao arquiteto José António Saraiva que me desobrigasse desse compromisso», disse Passos Coelho, justificando que «não conhecia a obra», mas teve «oportunidade de a ler». E não gostou do que leu, porque tem admiração e respeito por pessoas que são retratadas «em termos que não são estritamente políticos», justificou, acrescentando: «Eu tenho defendido sempre que uma coisa é a política, outra coisa são as questões privadas e da intimidade das pessoas e não gostaria de ficar associado a isso, a uma discussão que pudesse misturar as duas coisas». Ou seja, explicou Passos Coelho, depois de ler o livro percebeu que «havia um filtro que não tinha sido aplicado devidamente».

Passos garantiu que não teve «pressões nenhumas» do PSD, mas, apesar do silêncio dos sociais-democratas sobre esta polémica, o SOL sabe que o líder do PSD foi aconselhado a demarcar-se do livro. O assunto entrou no debate político na rentrée dos socialistas, com o líder parlamentar do PS, Carlos César, a criticar Passos  por apadrinhar um «livro sobre mexericos da vida sexual de políticos», enquanto o PS estava a «estudar soluções para diminuir as desigualdades, o que pode não ser tão excitante».

No PSD, publicamente, ninguém criticou Passos, mas também ninguém o defendeu. Duarte Marques, deputado social-democrata, foi um dos poucos a comentar a polémica e a admitir ao i que «sabendo o que se sabe hoje seria preferível não ir». 

Nas redes sociais, Passos foi fustigado por aceitar o convite para apresentar este livro. A socialista Isabel Moreira acusou-o de ser «cúmplice de um crime» e de ter escolhido «aderir ao maior ataque aos direitos de personalidade que a história da democracia inaugura». O ex-líder do CDS José  Ribeiro e Castro defendeu  que Passos «não faz só mal, nem muito mal, nem muitíssimo mal. Faz pessimamente». Castro defendeu, antes de o líder do PSD decidir demarcar-se do livro, que «se declinar, agora, o convite, ninguém lhe levará a mal». E Passos acabou mesmo por decidir não participar no lançamento da obra.

Algumas vozes de um coro de indignação

Henrique Monteiro

«Queridos tristes, hoje vou escrever sobre um livro que não li e não lerei. Enviaram-me algumas partes, leram-me ao telefone outras, é certo, mas fosse como fosse, ainda que não soubesse qual o assunto, não o leria. Por que motivo? Por dó! Eu trabalhei com este homem 16 anos e fui assistindo à sua progressiva entrada num mundo muito dele que – para utilizar uma expressão benévola – se pode considerar loucura obsessiva egocêntrica. Aliás o título do livro dá conta disso mesmo, reparem:  “Eu e os políticos”! O título diz tudo. Se Camões escrevesse “Eu e a gesta portuguesa”; ou Cervantes alinhavasse: “Como eu criei um cavaleiro meio louco de La Mancha e o seu escudeiro Sancho Pança”, talvez não tivessem o mesmo sucesso»

Ferreira Fernandes, DN:

«Na capa do livro desenha-se um buraco de fechadura, erro gráfico: o JAS espreitou menos do que cavou em campas.» «Devemos tratá-lo [ao livro] de forma simples como com aquilo no chão que não queremos que o bebé toque: “Não, não toca”, ensinamos, abanando veementemente a cabeça.»

Daniel Oliveira, Facebook:

«É feio divulgar conversas íntimas. É muito feio divulgar conversas íntimas sobre terceiros. É inacreditável fazê-lo quando se usa esses terceiros para divulgar supostos factos da vida privada de alguém. É nojento fazê-lo quando a pessoa que é usada é familiar da pessoa cuja privacidade é devassada. É abjeto quando a pessoa que é usada já morreu.» [em relação a uma conversa entre o autor do livro e Miguel Portas sobre o irmão, Paulo]

Fernanda Câncio, DN

«É com isso que Saraiva e a Gradiva […] contam: com o impulso voyeurista e necrófilo. E, claro, com a ideia de que “os políticos” e “as figuras públicas” têm de se submeter a todas as devassas.» «O mais terrível é que para denunciar o crime é preciso dizer, nem que seja de raspão, porque é que é crime. O que lá está. Porque é que é nojo, pestilência, asco.»

Dias Loureiro, em declarações ao Correio da Manhã

«O senhor arquiteto deve ter reparado no vinho que deve ter bebido em minha casa […] quando me foi pedir para salvar o ‘Sol’ e o emprego dele e dos seus jornalistas» (sobre o facto de o autor referir que o antigo ministro bebia «vinhos caríssimos»)