Estados Unidos continuam a apostar nos russos

Em fim de mandato, Obama pouco pode fazer, senão continuar dependente dos russos.

Estados Unidos continuam a apostar nos russos

Foi um John Kerry frustrado o que abandonou a reunião de quinta-feira em Nova Iorque com os países que integram o Grupo Internacional de Apoio à Síria. Para trás deixava uma reunião “intensa”, nas palavras de Sergei Lavrov, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros e o homem com quem Kerry passou os últimos meses a negociar um cessar-fogo para a Síria que já ninguém cumpre no terreno e em que, fora dele, já quase ninguém acredita. 

O enviado especial das Nações Unidas para a Síria foi mais adiante. O encontro de quinta-feira, afirmou Staffan de Mistura, foi «longo, doloroso, difícil e uma desilusão». O secretário de Estado norte-americano, porém, insiste na fórmula e agendou para o fim de tarde de ontem uma nova reunião com representantes russos para tentar reaver o cessar-fogo sírio. «Não estou menos determinado do que ontem mas estou ainda mais frustrado», disse Kerry.

Não é difícil entender a sua frustração. O regime sírio parece novamente prestes a aproveitar um cessar-fogo negociado entre Estados Unidos e Rússia para se lançar – com o apoio dos mesmos russos – numa campanha contra grupos rebeldes apoiados pelos norte-americanos. Aconteceu já no início do ano, depois da primeira trégua, quando russos, sírios e milícias aliadas se lançaram em operações para cercar Alepo. Conseguiram-no em julho.

O regime promete agora uma campanha para tomar os bairros rebeldes que ainda há pouco cercou. Damasco anunciou-o ontem, dia em que Kerry e Lavrov deveriam debater pela enésima vez o renovar do cessar-fogo, um feito improvável passadas duas noites de violentos ataques aéreos em Alepo e de movimentações no terreno que sugerem que o regime de Bashar al-Assad pode estar mesmo a falar a sério quando diz querer conquistar uma zona urbana em que vivem mais de 250 mil pessoas. Enquanto isso, russos e sírios continuam a negar responsabilidade pelo bombardeamento de uma coluna de assistência humanitária do Crescente Vermelho e de um armazém de bens de primeira necessidade, ambos em Alepo. 

Barack Obama admite que nenhum outro assunto o deixa mais hesitante do que a sua estratégia para a Síria. E de facto, argumentavam vários analistas, a administração americana parece surpreendentemente disposta a apostar numa estratégia que teima em falhar: negociar com a Rússia para obter concessões do regime de Damasco, que hoje está mais confortável – política e militarmente – do que em qualquer outro momento da guerra civil. «Já devia ser evidente por esta altura que, contrariamente às esperanças de alguns, o governo russo não é a chave para controlar o regime de Assad», argumenta Charles Lister, analista no Middle East Institute, um think-tank. «A decisão do regime sírio em fazer fracassar o último esforço diplomático deve provar uma coisa: Bashar al-Assad não tenciona abandonar o poder e usará todos os meios à sua disposição para o evitar», conclui.

Mark Lander, jornalista do New York Times, argumenta, por sua vez, que a administração de Obama, em fim do seu mandato, pouco fará de diferente na frente diplomática: «As negociações com a Rússia tornaram-se um exercício desgastado, deixando um Presidente que sempre evitou comprometer-se militarmente na Síria com uma política em que ele próprio não acredita».