Irmãos de abril

À beira da meta, com a vitória escancarada na sua frente, Allistair Brownlee parou para ajudar o exausto Jonathan Brownlee, deixando um sul-africano vencer o triatlo de Cozumel, no México.

Irmãos de abril

Pouco importa qual deles nasceu antes ou depois, mas acrescente-se a informação: Allistair Edward veio ao mundo no dia 23 de Abril de 1988 e Jonathan Collum no dia 30 de Abril de 1990. Não se pode dizer que o pai, Keith, e a mãe, Cathy, não tenham tido pontaria. Irmãos de Abril, portanto.

Para os mais distraídos destas coisas do triatlo – na versão olímpica junta 1,5 quilómetros de natação, 40 quilómetros de bicicleta e 10 quilómetros de corrida – que até devem ser muitos, a história conta-se já aqui ao lado: Jonathan, o caçula, ia na frente da World Triatlon Series, que se disputava em Cozumel, no México, quando começou a sofrer as consequência da violência da prova. Titubeou, tropeçou, dobrou-se em dois enquanto procurava manter-se em pé; Allistair vinha logo atrás e deitou-lhe, positivamente, a mão. E carregou com irmão até à meta, chegando em terceiro lugar quando tinha uma avenida aberta para a medalha de ouro.

Mas a verdade é que medalhas não faltam em casa dos Brownlee. Keith foi também ele um corredor teimoso e Cathy uma nadadora afamada. Os filhos, esses, no biatlo e no triatlo, já ganharam tudo: Allistair foi medalha de ouro do triatlo nos Jogos Olímpicos de 2012, em_Londres, e em 2016, no Rio de Janeiro, campeão do mundo em 2009 e 2011, campeão da Europa em 2010, 2011 e 2014; já Jonathan foi medalha de bronze em Londres e medalha de prata no Rio, além de campeão do mundo em 2012 e medalha de prata nos Europeus de 2011. Podem não ser gémeos, mas andam muito a par.

As imagens que correram o mundo soltaram algumas lágrimas nos cantos dos olhos. Irmão mais velho ajuda o mais novo, mesmo desperdiçando uma vitória mais do que certa, como mais do que certa fora anteriormente a vitória do mano ajudado. Tem tudo aquilo que o espectador gosta e faz correr tinta e esgotar palavreado em jornais e televisões. Mas, no entanto, ainda houve vozes críticas: “Uma irresponsabilidade! Jonathan deveria ter sido imediatamente socorrido por um médico”, ouviu-se. Allistair, por sua vez, não ficou calado: “O médico mais próximo estava na zona da meta. Ajudei como pude o meu irmão a chegar até ele. Não me importei com mais nada”.

O desporto está no sangue dos dois desde a mais tenra das juventudes, quando frequentavam a Bradford Grammar School._Depois, na Universidade de Leeds, cada um seguiu o seu caminho: Allistair cursou Ciência e Psicologia do Desporto depois de uma tentativa falhada de Medicina em Cambridge; Jonathan tirou o curso de História, também em Leeds. Se algo Allistair tem que Jonathan não, é o reconhecimento da rainha Isabel: é membro da Ordem do Império Britânico desde 2013.

Como sempre acontece em epílogos como este, o nome do vencedor de Cozumel desapareceu nas ondas do olvido. E talvez não o merecesse. O sul-africano Henri Schoeman ultrapassou os Brownlee, amparados um ao outro, e com desfaçatez venceu a prova. Podem dizer que é coisa sem valor de especial; que no meio daquele gesto digno de irmão mais velho para irmão mais novo, não há vitórias que brilhem mais do que a verdadeira fraternidade. Pois muito bem, não rabiscará estas linhas quem não esteja de acordo. Só que, para Schoeman, tratou-se de uma pequena vingança – nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro teve de se contentar com a medalha de bronze, ficando atrás de Allistair e Jonathan Brownlee, pois claro!

Os manos cruzaram a meta juntos, mas o terceiro lugar foi atribuído a Allistair. Se bem que o quarto lugar de Jonathan também tenha tido mais do que um dedo seu. Aliás, dois braços inteiros…