Jerónimo continua, mas com sombra de um adjunto

Jerónimo de Sousa ganhou a guerra dentro do Comité Central do PCP. Todos aqueles que defendiam o seu afastamento perderam. A solução de compromisso é arranjar um adjunto.

Jerónimo continua, mas com sombra de um adjunto

Durante a campanha para as eleições legislativas, Jerónimo de Sousa estava cansado. Foi visível para quem acompanhou a campanha eleitoral no terreno e também se notou em algumas intervenções na televisão. O secretário-geral limitou as ações de campanha, evitou uma agenda sobrecarregada, poupou-se a esforços maiores.

Nessa altura, acenderam-se luzes vermelhas entre os altos dirigentes comunistas: Jerónimo de Sousa deveria ser substituído no cargo de secretário-geral no congresso seguinte. A ideia de mudar o secretário-geral era anterior à campanha das legislativas, mas a performance de Jerónimo durante aqueles 15 dias deu mais força aos partidários da substituição.

O grupo dinamizador da substituição de Jerónimo não contava era com a extraordinária resistência do secretário-geral em deixar o cargo. Consciente de que havia quem estivesse a apressar a sua substituição, Jerónimo de Sousa foi enviando sinais explícitos. O Comité Central é que decidiria, no PCP é assim já se sabe, mas ele por ele ficava. 

A primeira frase em que Jerónimo demonstra que não tem grande vontade de desistir de ser secretário-geral do PCP é dita numa entrevista ao i, ainda antes da campanha eleitoral, quando os rumores sobre a sua substituição já começavam a circular. «Estou aqui para as curvas mas isto não é eterno. Por mim estou em condições de continuar, embora com esta ideia: um dia sairei desta responsabilidade, enquanto tiver capacidade para decidir e também para fazer esse juízo de valor». 

A mensagem estava passada, mas a forma como decorreu a campanha eleitoral aumentou a pressão dentro do Comité Central. Muitos defendiam que era chegada a hora de Jerónimo de Sousa ceder o seu lugar a outro dirigente. 

Numa entrevista ao Expresso, algum tempo mais tarde, Jerónimo esclarece que não é sua vontade sair e pela primeira vez, com palavras cifradas, admite a hipótese da existência de um secretário-geral adjunto. «Pode haver alteração de responsabilidades», afirma nessa entrevista ao Expresso, onde recusa a antecipação do congresso do PCP que muitos defendiam. «Não vejo razões para que tal aconteça, mas o Comité Central pode ver», disse Jerónimo. Depois do recado do secretário-geral, o Comité Central desistiu de antecipar o congresso que se vai realizar no prazo normal – está marcado para  2, 3 e 4 de dezembro e a sucessão de Jerónimo deixou de estar na agenda. 

A solução de compromisso é recuperar a figura do ‘secretário-geral adjunto’. Carlos Carvalhas foi eleito secretário-geral adjunto no congresso do PCP de 1990 antes de suceder a Álvaro Cunhal em 1992. 

As Teses – Projecto de Resolução Política para o congresso do dezembro – aprovadas no domingo passado pelo Comité Central, apontam para «o reforço da direção». Embora a palavra ‘renovação’ não exista no documento – ao contrário do que aconteceu nas Teses que antecederam a substituição de Carlos Carvalhas por Jerónio de Sousa – o Comité Central afirma que é «indispensável o reforço da direção». 

A direcção comunista afirma que «as exigências que estão colocadas são muito grandes» e enuncia um imenso rol, onde se inclui «a iniciativa e a resposta em cima do acontecimento» ou «intervenção sobre questões concretas e imediatas» ou ainda «a elaboração da posição política, da orientação e a mobilização das massas». Uma lista longa de «aspectos que importa considerar e desenvolver». 

Ou seja, o Comité Central assume que o secretário-geral precisa de ajuda, tendo em conta que «o trabalho da direcção nos últimos anos foi de particular exigência». Arranjou-se um meio caminho. Nem Jerónimo de Sousa é afastado do cargo de secretário-geral, nem fica sozinho. 

A seu favor,  Jerónimo de Sousa tem um capital de simpatia pública, inigualável dentro do partido, e que extravasa em muito as fronteiras do PCP. Jerónimo tem tanta consciência desse facto que o apresentou como argumento para desmobilizar o grupo que entendia que o secretário-geral devia ser substituído. Foi numa entrevista à Rádio Renascença que Jerónimo invocou os cidadãos anónimos que lhe pediam para ficar.

«Eu não quero fazer elogios em boca própria, mas olhe que o sentimento que eu tenho – desde o sítio onde moro, desde as deslocações que faço, desde a exposição pública natural de um cidadão comum como sou, nas iniciativas do partido, nas campanhas eleitorais – se eu fizesse uma leitura pessoal disso, tiraria uma conclusão, que os meus camaradas de partido, os amigos do partido e muita gente mesmo que não é do meu partido, que consideram que eu devia continuar. Mas isto, como digo, é sempre uma decisão do Comité Central». E assim o Comité Central decidiu não enfrentar Jerónimo, o mais carismático líder que o PCP arranjou depois de Cunhal.