Espanha: socialistas de faca e alguidar

Impasse no PSOE. Os críticos de Sánchez demitiram-se do conselho executivo e criaram um órgão de poder concorrente. O líder socialista diz que não vai a nenhum lado 

A prolongada guerra fria entre os socialistas espanhóis deu enfim lugar ao conflito aberto. O partido está efetivamente partido em dois desde quarta-feira: de um lado, os críticos que veem em Pedro Sánchez um ávido de poder que recusa abrir mão da liderança, mesmo confrontado com os piores resultados eleitorais da história; do outro estão os que defendem que o primeiro secretário-geral socialista eleito pelas bases partidárias só por elas pode ser demitido e que, para além disso, não são eles, mas os barões, quem ameaça condenar o PSOE à irrelevância ao recusar terminantemente o caminho para um governo com alianças à esquerda. 

O cisma precipitou-se com a hecatombe eleitoral do PSOE nas eleições autonómicas galegas e bascas do fim de semana. Pedro Sánchez reagiu mal aos barões que lhe pediam que mudasse de rumo e aceitasse o lugar da oposição a um governo minoritário chefiado por Mariano Rajoy. O dirigente socialista, porém, convencido de que tem do seu lado as bases partidárias, decidiu enterrar os pés na areia e dizer que o não a um novo executivo do PP é mesmo um não. Ainda estava fresca a derrota regional na segunda-feira quando Pedro Sánchez propôs de surpresa eleições primárias para 23 de outubro e um congresso federal para dezembro. 

Sánchez quer ver-se revalidado ainda a tempo de conseguir um acordo com os partidos mais pequenos à esquerda e apresentar um novo governo antes do fim de outubro, que é quando o congresso se dissolve e os espanhóis voltam a ser chamados às urnas. O socialista sabe que a revolta interna não tem líder e não é capaz de apresentar uma lista concorrente a tempo das primárias – ou até do congresso. Os próprios contestatários sabem disso. O pior que podia resultar da manobra de Sánchez seria falharem as negociações de governo com a esquerda, o que, ainda assim, não impediria que ele voltasse a ser a cara do partido nas novas eleições. 

Os críticos apressaram-se a finalizar o cisma. Na noite de terça-feira, o histórico líder socialista Felipe González atacou Pedro Sánchez: disse que o secretário–geral falhara a promessa de se abster na segunda votação ao governo de Rajoy, validando-o, evitando as terceiras eleições e assumindo finalmente o papel de maior partido da oposição que os barões desejam – temem, entre outras coisas, que na próxima ida às urnas os espanhóis penalizem outra vez o PSOE e permitam ao Podemos passar mesmo a segunda força nacional, como quase aconteceu em junho. “Alguém tem de assumir a responsabilidade política de andar de derrota em derrota até à suposta vitória final”, disse. 

Funcionou como um rastilho. Dezassete socialistas demitiram–se na tarde de quarta-feira do órgão executivo do partido, deixando mais de metade dos assentos do conselho vazios, o que, de acordo com a sua interpretação dos estatutos, obrigava à dissolução do órgão, à demissão do secretário-geral e a um congresso extraordinário. Resumindo: Pedro Sánchez perdera o poder e o mesmo acontecia com os aliados que se mantinham no conselho executivo. Anunciaram, além disso, que o poder estava agora com a comissão de ética – ou comissão gestora, para alguns –, controlada por críticos de Sánchez. 

Sánchez discordou. Durante a tarde de quarta-feira, o secretário-geral e os seus aliados fecharam-se na sede do partido em Madrid, negando entrada ao grupo de demissionários e estudando à lupa o que diziam os estatutos socialistas. Segundo a sua interpretação, embora fosse líquido que a demissão de mais de metade dos participantes no conselho obrigava a um congresso, isso não queria dizer que os outros membros e o líder do partido tivessem de se demitir – os estatutos são obscuros, mas parecem defender a opinião de Sánchez, embora digam também que o conselho não pode reunir sem a maioria dos presentes. 

Impasse O PSOE continuava irremediavelmente dividido ontem. Os críticos afirmavam que o conselho executivo que Sánchez reuniu à hora do almoço não tinha legitimidade, enquanto o secretário-geral e os seus aliados sustentavam que eram os oposicionistas e o seu conselho de gestão quem operava fora das normas. Ao final da tarde não se sabia sequer se no sábado se realizaria ou não o comité federal, o órgão em que participam dezenas de militantes socialistas e a quem cabe discutir as propostas de Pedro Sánchez de eleições primárias e congresso extraordinário. Verónica Pérez, a mulher que deve liderar o encontro e uma das críticas do secretário-geral, foi impedida ontem de entrar na sede da Rua Ferraz. Aos jornalistas, abandonando o local, atirou: “Neste momento, a única autoridade que existe no PSOE é a presidente da mesa do comité federal, que sou eu, quer eles gostem quer não.”

Não se sabe se Sánchez o quer, mas sabe-se que ele e os sobreviventes do conselho executivo – o mesmo que os oposicionistas dizem não ter legitimidade, mas que reuniu na mesma em Madrid – revalidaram ontem a proposta de eleições primárias para 23 de outubro e propõem agora que o congresso extraordinário se realize no dia 13 de novembro, e não em dezembro, como o (ainda?) dirigente socialista pediu no início da semana. Se haverá reunião no sábado dependerá da vontade dos oposicionistas que, a verem confirmadas estas datas, continuarão com pouca margem de manobra para elaborar uma lista concorrente que possa vencer Sánchez. O conselho pede-o para ultrapassar “o quanto antes” estes “momentos inéditos na vida interna” dos socialistas. Falta saber quem lhe dará ouvidos.