Novos hábitos à mesa: mais vinho e carne, menos leite e fruta

Estamos cada vez mais longe da dieta mediterrânica que nos caracterizava e mais próximos dos (maus) hábitos dos países vizinhos. Aproveitamos o Dia Mundial da Alimentação, amanhã, para lançar a pergunta: ainda vamos a tempo de salvar a nossa alimentação? A Direção-Geral de Saúde acredita que sim, mas para isso declara guerra ao sal e…

Devem existir poucas nações mais orgulhosas da própria gastronomia do que Portugal. Não será para menos, tendo em conta a nota positiva dada por quem nos visita e o galardão da Unesco, que classificou a tão afamada Dieta Mediterrânica como Património Imaterial da Humanidade.

No entanto, por desleixo ou por vontade de ocidentalizar os hábitos alimentares, estamos cada vez mais longe dos pilares da dieta mais estudada do mundo e que tem por base o consumo de azeite, produtos frescos e leguminosas, aliado à prática de exercício físico. Os últimos dados divulgados pelo INE dão conta de uma mesa cada vez mais cheia de carne, vinho e produtos com excesso de sal e açúcar, em detrimento do leite, fruta, legumes e leguminosas.

Para Nuno Borges, da Associação Portuguesa dos Nutricionistas, estas mudanças têm por base uma «ocidentalização» dos hábitos. «Estamos cada vez mais parecidos com os países nossos vizinhos e isso nem sempre é bom», refere. Para o também professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, o deixar de fora do prato as leguminosas é um dos erros mais graves da nossa alimentação. «Perdemos o hábito de comer feijão, grão, lentilhas e sem razão aparente», afirma, apesar de rapidamente encontrar uma explicação: «Convenhamos que fazer uma sopa dá muito trabalho, já para pedir uma pizza é só pegar no telefone».

À vontade e ao facilitismo de comer coisas menos saudáveis, Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, junta a menor disponibilidade de tempo dedicado à cozinha. «Se antigamente tínhamos as mulheres em casa, com tempo para passar uma manhã a fazer sopa, hoje não cabe na cabeça de ninguém pedir a alguém que trabalhe o dia inteiro para chegar a casa e passar horas ao fogão», refere, em declarações ao SOL. É por isso que Pedro defende um regresso à dieta mediterrânica, mas adaptada aos nosso tempos. «Era importante que os supermercados disponibilizassem, como já começa a acontecer, hortícolas prontos a usar para sopas, saladas ou batidos», refere, apontando a congelação como o truque para ter sempre comida saudável disponível.

Crise muda hábitos

Um orçamento familiar mais apertado obriga a mudanças estratégicas, também elas a acontecer na alimentação.

O Primeiro Grande Inquérito sobre Sustentabilidade em Portugal, divulgado em Setembro, mostra que mais de 30% dos portugueses deixaram de ir a restaurantes, 14% optam agora por levar marmita para o trabalho e 11% cultivam os próprios legumes. «Para a classe média, a crise pode até ter melhorado alguns hábitos e, para quem sempre teve mais dinheiro, esses têm sempre um leque mais vasto de opções». O problema, para Nuno Borges, está na classe mais baixa, que prefere produtos mais energéticos e menos nutritivos, aliciados pelos preços mais baixos. Um estudo recente da Universidade do Porto vem provar isso mesmo: a alimentação das crianças em idade escolar que comem produtos com maior densidade energética, como bolos, é cerca de 80% mais barata, embora mais prejudicial para a saúde.

«Claro que há formas de comer bem e barato, mas para isso é preciso que as pessoas estejam dispostas a mudar hábitos, a aprender sobre novos produtos e, principalmente, a cozinhar, algo que se faz cada vez menos», acrescenta o nutricionista.

Guerra ao açúcar

A Direção-Geral de Saúde (DGS) já lançou o alerta: metade das causas de morte e doença têm relação direta com alimentação. «Ingerimos o dobro do açúcar e do sal do que seria recomendado», reforça Pedro Graça.

O aumento da esperança média de vida e a diminuição da mortalidade precoce (antes dos 70) são duas das principais metas definidas no Plano Nacional da Saúde da DGS.

«Se, antigamente a esperança média de vida se ficava pelos cinquenta anos, agora ninguém quer morrer antes dos cem», salienta, lembrando que para isso há que mudar hábitos de consumo. «Temos de proteger os órgãos de maneira a que durem mais tempo e isso só acontece com a diminuição dos agentes agressivos, como o sal e o açúcar».

Os efeitos de uma má alimentação, rica em gorduras e pobre em vegetais e fruta, já se notam nas tabelas que indicam a incidência de tumores malignos em Portugal. Dados deste ano mostram um aumento das neoplasias do cólon, que ficam apenas atrás do cancro de mama, na mulher, e na próstata, no homem. «Antigamente ninguém vivia tempo suficiente para desenvolver este tipo de doença», refere Pedro Graça, lembrando que «dar ao corpo a mesma quantidade de sal e açúcar que o habitual e esperar que ele dure mais umas décadas não é viável».

Pedro Graça tem a diminuição dos números da obesidade – que dão conta que mais de 14% das crianças portuguesas são obesas e 44% dos idosos portugueses têm excesso de peso – como uma das suas grandes lutas. Nesse sentido, divulgou esta semana uma medida que atua no campo da prevenção.

A partir de agora, qualquer pessoa que se dirija a um centro de saúde, seja qual for a queixa, será medida e pesada. Caso seja detetado excesso de peso, é reencaminhada para uma consulta de avaliação.