Ferro Rodrigues ataca a Justiça portuguesa e condiciona Marcelo

1.Uma estranha entrevista – é o mínimo que se poderá escrever acerca da entrevista concedida pelo actual Presidente da Assembleia da República e ex-líder do PS, Eduardo Ferro Rodrigues, a um jornal português. Começamos por adiantar que até temos uma impressão globalmente positiva da actuação de Ferro Rodrigues como Ministro da Segurança Social: é um…

1.Uma estranha entrevista – é o mínimo que se poderá escrever acerca da entrevista concedida pelo actual Presidente da Assembleia da República e ex-líder do PS, Eduardo Ferro Rodrigues, a um jornal português. Começamos por adiantar que até temos uma impressão globalmente positiva da actuação de Ferro Rodrigues como Ministro da Segurança Social: é um facto que aprovou medidas singulares e relevantíssimas para o avanço do Estado social em Portugal. Medidas que lograram obter, no essencial, um amplo consenso político-partidário, prolongando a sua vigência até aos dias de hoje.

No entanto, a entrevista não nos pode deixar de chocar: um Presidente da Assembleia da República, em exercício de funções, resolve colocar em causa o regular funcionamento de um outro poder constitucional – bem como condicionar expressamente a mais alta figura do Estado português (e o único que lhe precede protocolarmente).

Em que termos? Eduardo Ferro Rodrigues afirma que a desconfiança que  existe entre os portugueses e os políticos também é aplicável à relação entre os portugueses e o sistema de justiça – os cidadãos portugueses não confiam – nem podem confiar – na transparência da Justiça e na sua capacidade efectiva para defender os seus direitos. Os direitos de todos nós. No fundo, Eduardo Ferro Rodrigues concorda que os políticos são maus – mas os tribunais, os juízes, são bem piores.

2.Ora, em qualquer país democraticamente avançado, estas declarações gerariam, de imediato, uma onda de indignação e um pedido de esclarecimento sobre a motivação e o alcance das declarações do Presidente da Assembleia da República. O poder jurisdicional é determinante para a concretização do Estado de Direito democrático – sem juízes independentes, imparciais e cometidos apenas à realização da Justiça, o Estado será sempre um Estado falhado.

O que Ferro Rodrigues vem dizer é que a Justiça não funciona, porque não dá resposta satisfatória às pretensões e anseios de Justiça dos portugueses. Não funciona, porque os juízes e procuradores do Ministério Público actuam de acordo com motivações pessoais secretas, com agendas políticas devidamente concertadas, inventam factos e forçam depoimentos. Ou seja, a segunda pessoa mais relevante do Estado português – faz um retrato diabólico da Justiça portuguesa.

Ferro Rodrigues não é apenas um militante socialista; não é apenas um comentador político – Ferro Rodrigues é Presidente da casa da democracia portuguesa. Da Assembleia que nos deveria representar a todos nós, cidadãos portugueses. Se nem o Presidente da Assembleia da República confia na Justiça, como poderão os portugueses confiar?

3.Das duas, uma: ou Ferro Rodrigues têm informações e conhecimento de práticas mais duvidosas e censuráveis da Justiça portuguesa e têm a obrigação de as explicar aos portugueses detalhadamente e com a devida fundamentação; ou, então, o ataque de Ferro Rodrigues aos juízes e magistrados portugueses parece, apenas, um exercício de revanchismo, de vingança pessoal, de ajuste de contas com o passado.

4.Enfim, estas declarações incendiárias foram uma irresponsabilidade de Eduardo Ferro Rodrigues, ainda para mais num contexto em que um seu camarada de partido está a ser investigado.

Declarações como estas poderão levar os portugueses a questionar-se se a decisão de não acusação, ou de posterior absolvição de José Sócrates, não terá sido devidamente influenciada por pressões políticas objectivas do poder político constituído. É que politicamente, o que parece é…E o que parece é que Ferro Rodrigues – Presidente da Assembleia da República – quis puxar as orelhas aos juízes pela desfaçatez de investigar camaradas do PS! Assim vai o Portugal geringonçado…

Será que os deputados do PSD e do CDS não vão reagir a tais declarações gravíssimas? Será que, em Portugal, já ninguém se preocupa com a separação de poderes e com o saudável relacionamento institucional entre os vários poderes do Estado? E não se preocupam com a imagem da Justiça portuguesa e a sua debilitação?

5.Mas há mais: Eduardo Ferro Rodrigues não perdeu a oportunidade de condicionar o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Primeiro, ao dizer que esteve numa sala privada com o Presidente e que não lhe deixou de dar a “alfinetada” que ser político não é conduzir um táxi, nem mergulhar no Tejo.

Pois bem, ficámos a saber o enorme respeito institucional que existe entre as duas figuras de Estado cimeiras – o número dois, nos termos do Protocolo de Estado, goza (porque isto é gozar!) com o número um, com o Chefe de Estado!

E ainda se arroga no direito de contar o gozo nas páginas de jornais! Para um institucionalista (como é o nosso caso), este panorama político é confrangedor – mostra que há uma enorme falta de respeito para com a figura do Presidente da República (popularidade não se confunde com respeito e dignidade institucional).

5.1. Em segundo lugar, o Presidente da Assembleia da República afirmou expressamente que fala regularmente com Marcelo Rebelo de Sousa; que Marcelo Rebelo de Sousa reúne-se com ele e com António Costa várias vezes; que o relacionamento entre os três é perfeito e que o Presidente está comprometido com esta solução governativa. A geringonça só poderá cair no Parlamento – nunca por intervenção do Presidente da República.

Daqui decorre que Eduardo Ferro Rodrigues – concertado com António Costa, pois Pedro Nuno Santos tem repetido o mesmo discurso – joga tudo no condicionamento político do Presidente da República, que é o mesmo que dizer, na irrelevância prática de Marcelo Rebelo de Sousa.

6.Efectivamente, António Costa e Ferro Rodrigues pretendem que Marcelo continue na sua onda de afectos, selfies e muitas deslocações a estrangeiros – é que enquanto o Presidente quiser manter os níveis de popularidade altíssimos, a sua capacidade efectiva de limitar as consequências da governação da geringonça será reduzida. Marcelo fugirá sempre do confronto político, ou tão só da sua imposição ao PS e à extrema-esquerda. E Portugal continuará, alegre e miseravelmente, nas mãos da extrema-esquerda – e de António Costa, um homem que para se salvar, sacrificou 9, 999 milhões de portugueses…

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