‘Nada melhorou, só parece que melhorou’

Barreto Xavier, responsável pela pasta da Cultura no governo de Passos Coelho, não poupa críticas ao Orçamento para a Cultura de 2017.

«Este Orçamento do Estado (OE) não corresponde às expectativas criadas pela atual maioria no setor cultural», dispara Barreto Xavier. O secretário de Estado da Cultura entre outubro de 2012 e outubro de 2015, no governo liderado por Passos Coelho, recorda que, «durante o governo a que pertenci, houve atitudes do PS, BE e PCP de dizerem que o que se passava em termos de cultura não se podia passar, como se [a cultura] fosse uma grande bandeira da esquerda, mas depois, logo no ano passado, o OE da cultura diminuiu consideravelmente». Agora, para 2017, Barreto Xavier, contraria a ideia transmitida pela esquerda de que o OE para a cultura cresceu 31,6 milhões de euros, considerando não existirem grandes diferenças: «Nada melhorou, só parece que melhorou. Este é o orçamento do ‘consideramos que se deve melhorar’. Está cheio de promessas que não correspondem a propostas concretas».
O ex-secretário de Estado fez contas às contas do OE para a Cultura e concluiu que, para se chegar ao valor real, é preciso fazer vários descontos aos 454,7 milhões de euros apresentado pelo governo de António Costa como orçamento consolidado. A começar, os 239,8 milhões destinados à ComunicaçãoSocial, mas também os 5,8 milhões destinados ao D. Maria II, que passou da alçada do ministério das finanças para o ministério da cultura. Mas, defende Barreto Xavier, há outros valores que têm de ser subtraídos ao total, como «os encargos com remunerações, que o próprio BE estima em 7 milhões de euros».

A este OE, Barreto Xavier considera ainda que se deve subtrair o orçamento do próprio gabinete da cultura – que com o Executivo de AntónioCosta passou novamente a ser ministério –, e que passou de cerca de 1,25 milhão em 2015, para perto de 2,5 milhões em 2016. Em 2017 será de mais de 3,6 milhões de euros. «É um valor que só pode ser para pessoal político. Para que é que precisam de tanto dinheiro? Não percebo, sobretudo porque, em agosto, a cultura tinha a taxa de execução orçamental mais baixa de sempre, só tinha usado 17% do valor». Acusações que o ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes, refuta: «O OE não prevê nenhum aumento [nesta área], pelo contrário há uma pequena redução, que não se perceciona quando os números são analisados à unidade milhão.»

Deve e haver do OE

Nestas contas do deve e haver, Barreto Xavier prossegue com as subtrações. «Está previsto um aumento de receita», diz, «só que este aumento não passa de uma estimativa que pode não se concretizar, uma vez que não há como garantir que os equipamentos vão ter mais visitantes». E Barreto Xavier ironiza: «Curiosamente, as receitas que estão a contar que aumentem assentam em decisões minhas, à data, muito criticadas, como o aumento dos bilhetes de entrada nos museus e o modelo de financiamento do Instituto do Cinema e do Audiovisual, que permitiu um aumento substancial do financiamento do cinema português», diz, em referência às alterações feitas por si à lei do cinema no pós-2012, ano zero, em que os financiamentos foram congelados, ditando uma paragem total do setor.

Mas o ex-secretário de Estado prossegue com as acusações, nomeadamente em relação à intenção do governo de António Costa de contrariar o desinvestimento ao nível das fundações culturais, decidido em 2013. «O governo a que pertenci não teve prazer nenhum em cortar nas fundações, fizemo-lo porque teve de ser. Este governo diz que quer suprir as necessidades das fundações, mas não se percebe onde vão buscar o dinheiro. É que o dinheiro para as fundações vem do Fundo de Fomento Cultural (FFC), que era de cerca de 29 milhões para 2015, baixou ligeiramente em 2016, e agora sobe, mas apenas cerca de um milhão. Como é que este milhão é suficiente para tantas fundações?». A resposta, para o ministro Luís Filipe de Castro Mendes, é simples: «O crescimento real do FFC não é de apenas 1 milhão. Houve sim uma distribuição mais equilibrada e objetiva das receitas gerais que se afetaram às entidades dentro do programa orçamental da cultura. A reversão parcial dos cortes às fundações, a começar já em 2017, está assegurada.»

Contas feitas, Barreto Xavier defende que o OE para a cultura não aumenta de facto. E mesmo, nos casos das entidades que receberão mais dinheiro, fala-se, em média de aumentos de 0,1%. «E isto não é um aumento efetivo», afirma, dando como exemplo a Academia Nacional de Belas Artes que, em 2015, recebeu um valor de cerca de 78 mil euros, tendo neste OE previsto mais de 570 mil euros. «Só que este é um falso aumento. A Academia localiza-se no Convento de São Francisco, edifício que tem, desde 2014, aprovado um montante para obras, que seria proveniente do Ministério das Finanças. Agora que as obras vão avançar, foi feita a transferência desta verba das finanças para a Cultura». Além da Academia Nacional de Belas Artes, Barreto Xavier apresenta ainda o exemplo do Palácio Nacional da Ajuda, cujas obras foram anunciadas agora «com grande aparato e como sendo um feito deste governo, mas em 2014 já eu tinha anunciado tudo isto – a obra, a alocação de verbas e a colocação das joias reais neste espaço», atira, fazendo a ressalva a única alteração foi o mecanismo de financiamento desta obra [com custo previsto de 15 milhões de euros], que agora passará por «uma linha de crédito com a Câmara e a Associação de Turismo de Lisboa».

De positivo, nada

Pela positiva, Barreto Xavier sublinha apenas a aposta reforçada na DGARTES [Direção-Geral das Artes] e na OPART [Organismo de Produção Artística]. Mas nem aqui deixa de levantar dúvidas. Por um lado, questiona a razão de ser da OPART, criada em 2007: «A opção de fundir o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado sob a mesma administração nunca se mostrou virtuosa, nem ao nível financeiro nem ao nível criativo. Nunca vi nenhuma demonstração dos benefícios da OPART». O ministério, por sua vez, alega estar, em relação ao OPART, «a proceder a uma reestruturação orgânica e de atuação dos serviços e organismos promovendo sistemas de complementaridade, de partilha de responsabilidades e de parceria e estratégias de proximidade, acessibilidade, divulgação e participação.

Pretende-se agilizar os serviços tornando-os mais eficazes e simplificando práticas administrativas – através da adoção de medidas no âmbito do programa Simplex.» Já no que diz respeito à DGARTES, Barreto Xavier conclui que este é um «aumento positivo, mas não inocente: o cinema já tinha os seus fundos e os monumentos não falam, ao contrário dos artistas».