Este ano já nasceram mais 2700 bebés. Chega? Ainda não

A natalidade está a aumentar pelo segundo ano consecutivo, mas em setembro nasceram menos crianças do que no ano passado. Pode não ser mau sinal, mas as últimas comparações não são animadoras: Portugal é o país europeu onde as mulheres têm menos filhos

Até setembro nasceram em Portugal 65 689 crianças, mais 2699 do que nos primeiros nove meses do ano passado. Pelo segundo ano consecutivo há mais nascimentos no país, mas os dados fornecidos ao i pelo Instituto Ricardo Jorge mostram que em setembro – tradicionalmente o mês com mais nascimentos – registou mais uma vez o maior número de crianças, mas menos do que no ano passado. Ana Alexandre Fernandes, demógrafa do Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, admite que a variação não é necessariamente mau sinal, mas parece confirmar o que tem estado a acontecer no país. Mais do que um aumento significativo da propensão para ter filhos, necessário para resolver o dilema em torno da natalidade, a crise dos últimos anos parece ter levado a um adiar da maternidade que agora parece estar a ser ultrapassado com mais pessoas a ter filhos em simultâneo. “Como houve mais nascimentos nos primeiros meses do ano, isso pode abafar os resultados em setembro e até alterar o calendário dos nascimentos”, admite a investigadora.

A demógrafa sublinha que o indicador a vigiar é o índice sintético de fecundidade, que quantifica o número médio de crianças por cada mulher em idade fértil e permite perceber se as famílias estão a ter mais filhos. “Sabemos que, em Portugal, as famílias, por várias razões, têm menos filhos do que desejariam, e é isso que é importante mudar”, sublinha a investigadora.

E aqui o cenário ainda não é o mais otimista. As últimas comparações europeias, divulgadas na semana passada pela Pordata no “Retrato Portugal na Europa – Edição 2016”, revelam que Portugal era, em 2014, o país onde as mulheres tinham menos filhos: 1,23. Os dados disponíveis para 2015 mostram que a subida dos nascimentos no ano passado terá levado Portugal para os 1,3 filhos, mas ainda longe da média europeia de 1,58 crianças. Ana Alexandre Fernandes lembra que o patamar a alcançar – quando se pensa em levar a natalidade para um nível sustentável – são as duas crianças. A regra é há muito conhecida, mas poucos países têm conseguido ir tão longe (na comparação da Pordata, apenas a França surge nesse patamar).

Ana Alexandre Fernandes salienta que não há um número exato de nascimentos para o qual se possa apontar, pois isso vai depender sempre da estrutura populacional a cada momento. Mas feitas as contas de uma forma simples, os nascimentos quase teriam de duplicar para que Portugal ficasse num nível muito bom em matéria de nascimentos que contrariasse o envelhecimento crescente da população – que está bem à vista.

Segundo o mesmo estudo da Pordata, um quinto dos portugueses têm mais de 65 anos, o que torna o país o quarto mais envelhecido a nível europeu. Há 138 idosos por cada cem jovens no país e as últimas projeções das Nações Unidas sugerem que, ao atual ritmo, Portugal venha a ser o terceiro país mais envelhecido do mundo em 2030, atrás de Japão e Itália. A idade média dos portugueses terá passado dos 44 anos atuais para 52.

A última vez que Portugal teve um índice sintético de dois filhos por cada mulher em idade fértil foi em 1982, ano em que nasceram no país 151 mil crianças. Os nascimentos têm estado em queda nos últimos 40 anos, mas foi em 2008 que ficaram pela primeira vez abaixo dos 100 mil. Em 2010 houve uma ligeira recuperação e nasceram no país 101 mil crianças, mas depois a quebra acentuou-se e 2014 foi o ano com menos notícias de nascimentos da história recente do país: 82 367 crianças. Em 2015 começou a recuperação, com um aumento de 3%. Este ano, se a quebra que se verificou em setembro face ao ano passado for passageira e no último trimestre continuarem a nascer mais crianças ao ritmo dos primeiros meses do ano, a subida poderá vir a ser ligeiramente maior.

Beja lidera nascimentos Os dados fornecidos ao i pelo Instituto Ricardo Jorge dizem respeito ao número de testes do pezinho feitos a recém-nascidos, a análise que é feita aos bebés nos primeiros dias de vida para despistar algumas doenças. A informação permite ter um barómetro da evolução dos nascimentos no país quase em tempo real – os dados do Instituto Nacional de Estatística são publicados de forma mais espaçada (até ontem, só estava disponível informação até julho).

As estatísticas do Instituto Ricardo Jorge permitem ainda perceber quais são os distritos com o maior baby boom. Beja lidera: nos primeiros nove meses do ano, os nascimentos aumentaram 11%. A diferença é de apenas 92 crianças mas, num distrito com baixa densidade populacional, é significativa. Em termos absolutos, Lisboa e Porto somam o maior número de nascimentos: praticamente metade das crianças do país nascem nestes dois distritos (47%). Não é de estranhar, por isso, que se vejam cada vez mais carrinhos de bebé nas ruas das maiores cidades do país. Se continuarem a ser cada vez mais, melhor para todos.