Pistolas da GNR são alibi de Pedro Dias

Suspeito dos crimes usou armas roubadas aos guardas da GNR, e a sua rendição foi combinada em Coimbra no escritório da advogada Mónica Quintela. Restos de comida denunciaram que Pedro Dias estava a ser ajudado.

A defesa de Pedro Dias vai assentar na tese de que ele é inocente e tudo não passou de um ajuste de contas entre guardas da GNR.

Recorde-se que a história começou na madrugada de uma terça-feira, em Aguiar da Beira, quando Pedro Dias, estacionado num descampado junto a um hotel abandonado, é abordado por dois elementos da GNR que lhe pedem a documentação da pick up.

A conversa abre amigável. O condutor passa-lhes a carta de condução e o livrete, e o guarda Carlos Caetano vai ao carro patrulha ligar para o posto da GNR, para confirmar a propriedade do veículo. Pedro permanecia com o outro agente, António Ferreira, 42 anos, que enfia a carta de condução no bolso. O seu colega já nem tem tempo para regressar junto deles. Pedro Dias, com uma arma de calibre 7.65, dispara a matar – apontando de seguida para o outro guarda, paralisado pela surpresa, que é desarmado e obrigado a enfiar o colega na bagageira do carro da GNR. Depois é algemado ao banco do passageiro, para não conseguir mexer-se.

Anda meia dúzia de quilómetros. Inteligente e frio, aproveita o guarda para fazer manobras de diversão. Obriga António a dar informações disparatadas à sala de crise da GNR, para orientar as suspeitas para outros lados. Entretanto, enfia o carro por um monte acima até a viatura atolar. Aí, manda o agente sair e algema-o a uma árvore. Segundos depois, atinge-o no rosto. Julgando-o morto, atira o corpo para uma vala, deita alguma vegetação e pedras por cima, e abandona o local. Com ele leva as armas dos guardas. E é com uma delas – uma pistola de calibre 9 milímetros – que disparará contra um casal que se dirige ao Porto para uma consulta de fertilidade, roubando-lhe em seguida o carro.

Pedro Dias pensa que não deixou vestígios

Naquele momento está convencido de que não deixou vestígios que o liguem aos crimes. Vai buscar a pick up, toma banho e, para quem o viu nesse dia, parecia um homem na sua rotina habitual. Mas o guarda António não morrera e dá o alarme. Quando pelas 8h00 se inicia a investigação, já se sabe quem provocou as mortes. A carta de condução de Pedro Dias encontrada no bolso de um GNR não deixa lugar a dúvidas. Um sargento-ajudante no terreno liga-lhe para o telemóvel e ao fim de seis contactos diz-lhe: «Sabemos que o senhor cometeu crimes muito graves. É melhor entregar-se!».

Começa a fuga que o colocará a monte durante um mês.

A 12 de outubro, no dia seguinte às mortes de Aguiar da Beira, após tranquilamente ter feito compras no LIDL em São Pedro do Sul, o homem é detetada por uma patrulha da GNR, que o persegue até ele se enfiar numa rua sem saída. Abandona o carro e embrenha-se na mata em direção a Arouca, onde vivem os pais. O longo trilho desemboca na proximidade da casa de Fátima Reimão, uma professora amiga da família.

Quatro dias depois, num domingo, dá-se um novo episódio violento. A filha dos proprietários de um prédio situado a quilómetro e meio da casa da professora, uma mulher residente no Porto, decide passar por casa dos pais. Chega de táxi e fica à conversa com o vizinho António Duarte. Falam das mortes. Mal mete chave à porta, a mulher é agarrada pela cabeça e arrastada pelos cabelos para o interior. Com as mãos no pescoço, Pedro Dias tenta asfixiá-la. Debate-se, enquanto ele a espanca e a atira contra móveis e paredes, provocando-lhe graves lesões no crânio.

O vizinho ouve-a gritar e aproxima-se da porta – mas acontece-lhe o mesmo. Os dois são amarrados, costas com costas, enquanto Pedro Dias se diverte. Aponta-lhes uma pistola que, segundo a mulher descreverá mais tarde ao Ministério Público, corresponde às armas dos guardas da GNR. E brinca: «Mato, não mato…».

Restos de comida provam que tem ajuda

Pedro Dias acaba por se retirar no Opel Astra de António Duarte, sem deixar mais rastos de morte. Mas para o diretor da PJ da Guarda, José Monteiro que pouco depois chega ao local, os indícios recolhidos na habitação demonstram que Pedro Dias tem uma retaguarda que o apoia. A refeição que ele deixou a meio tem um toque caseiro, e o forno da habitação não fora utilizado. O suspeito tinha, portanto, ‘cozinheiro’ que conhecia os seus gostos.

Obrigado a retirar-se da zona de conforto, Pedro ruma a Vila Real, onde o Opel é avistado ainda nesse dia e será abandonado, ficando igualmente no local as calças cobertas de sangue que o suspeito vestia quando espancou Lídia. E por ali permanece Pedro Dias saltando de casa em casa – até que, a 26 de outubro, de novo acossado, descobre na Quinta do Portal (uma produtora de vinho de Sabrosa), um jipe com as chaves na ignição. Nele abandonará Trás-os-Montes e regressará a Arouca. O jipe será apanhado pelas câmaras instaladas na Ponte do Pinhão, e, mais tarde, próximo da casa de Fátima Reimão, onde Pedro se refugia. Estranhamente, o homem voltava à zona onde, a 11 de outubro, atingira quatro pessoas na cabeça.

Nesta altura já a PJ tem a casa de Fátima vigiada noite e dia. E dá com Andreia Dias, a irmã de Pedro, a entrar e sair apressadamente do prédio. A Polícia reforça a convicção de que Pedro Dias aí se instalara. Aliás, não passa despercebido à PJ o facto de toda a família do suspeito ter visitado um dia Fátima Reimão, levando os dois filhos de Pedro Dias e a sua atual companheira, uma jurista da Câmara de Leiria, ficando ali a tarde inteira.

O dia de todas as decisões

Na manhã da última terça-feira, na porta do n.º 2 da Rua dos Bombeiros Voluntários, em Arouca, nada de anormal fazia prever o acontecimento que fecharia aquele dia. Na estrada, sem estacionamento, o trânsito era rotineiro. Faltavam exatamente cinco minutos para as 19h00 quando um Jaguar azul, seguido de um Toyota Yaris cinzento, estacionam em cima do passeio, junto à casa de Fátima Reimão. Do lado oposto, junto a um cruzamento, viaturas ligeiras, sempre as mesmas, ora estacionadas ora em movimento, faziam pensar na presença da Polícia Judiciária. Um mandado de busca à habitação fora emitido havia 15 dias.

A quinhentos metros, perto de uma capela, distinguem-se sete pessoas a sair dos dois carros recém-chegados, dirigindo-se para a porta principal da casa. Do Jaguar sai Mónica Quintela e a sua entourage. Cerca de 10 minutos depois, um homem virá retirar do Yaris um tripé de câmara de TV. Já não restam dúvidas que Pedro Dias se vai entregar, depois de contar a sua versão aos jornalistas presentes.

No terreno, onde o diretor da PJ da Guarda, acompanha a operação com o mandado de detenção e de buscas para usar a qualquer momento, a tensão instala-se: devem avançar ou aguardar pacientemente? Impõe-se a segunda hipótese. Acautelar a segurança dos advogados e jornalistas é a palavra de ordem. Mas daquela noite não poderá passar.

Duas horas e meia depois, o diretor nacional da PJ, Almeida Rodrigues, que se encontra na Indonésia, será contactado pela advogada, que o informa que Pedro se quer entregar. O líder da Judiciária informa o diretor da PJ da Guarda para que adote as medidas necessárias.

Pedro Dias entregava-se em glória. Na entrevista à RTP, que entretanto se realizara, proclamara a sua inocência, ironizando mesmo ao concordar com uma pergunta da jornalista: «Não há segurança em Portugal». Nem as vítimas ficam de fora. Revela que ainda tinha um relógio que António Duarte, um dos sequestrados em Moldes, lhe «emprestara».

Estratégia combinada com a advogada em Coimbra

A estratégia da entrega de Pedro Dias fora previamente orquestrada. A irmã, sob vigilância, tivera reuniões com a advogada Mónica Quintela no seu escritório em Coimbra. Na véspera da entrega de Pedro Dias, dera-se o último encontro com a advogada. Andreia que, na primeira vez se fizera acompanhar pela mãe, desta vez viera com Fátima Reimão. Nesse, dia, a advogada, contactada pelo SOL, abrira a janela: «Esta situação não pode durar muito mais tempo. Ou ele já está no estrangeiro e liga a dizer que se quer entregar ou é preso».

Dois dias depois de se entregar, Pedro Dias entrará seguido de câmaras e jornalistas pela porta da frente do tribunal da Guarda. Não previra que a investigação policial estivesse tão avançada: os dez volumes do inquérito já reúnem 40 testemunhos e perícias que, interligados, não deixarão dúvidas ao juiz sobre a sua culpabilidade. Os advogados ainda pediram acesso ao processo, mas as partes consultadas foram suficientes para aconselharem o seu cliente a guardar silêncio. E a solicitarem que saísse pela porta dos fundos.