Caixa Geral de Depósitos. À espera de Godot

Centeno deixou de estar isolado: mudou de opinião e juntou-se ao consenso socialista de que é preciso que os gestores entreguem as declarações. Mas tudo pode demorar ainda muito tempo

Pedro Passos Coelho disse ontem que não voltava a falar do caso da Caixa Geral de Depósitos. Afirmou ser “absolutamente insólito que o país esteja a assistir a este folhetim há tempo demais”, mas decidiu que a partir de agora se remetia ao silêncio sobre o assunto. Não seguiu, assim, o conselho do ex-líder do seu partido, Marques Mendes, que considerou que o facto do governo estar a passar pelos pingos da chuva no “caso CGD” se devia à inexistência de oposição. Pelos vistos, da parte do PSD, no que toca ao assunto Caixa Geral de Depósitos a oposição finou-se de vez. 

O Expresso noticiou ontem que, afinal, a reunião desta quinta-feira da administração da Caixa Geral de Depósitos não vai servir para dar nenhum passo consistente na polémica que domina o país político há quase um mês. 

A semana ficou marcada pelo recuo de Mário Centeno em relação à sua posição inicial – a de que os gestores da Caixa Geral de Depósitos estavam a cumprir os seus deveres de transparência com o accionista Estado. Depois de Marques Mendes ter lançado a polémica no seu comentário da SIC, o gabinete de Mário Centeno confirmou que o facto dos gestores da CGD não entregarem as declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional não era um “lapso”. A 25 de outubro, o Ministério das Finanças confirmou que os administradores da Caixa não teriam que fazer a diligência junto do TC porque a ideia era que a Caixa “fosse tratada como qualquer outro banco”. “Essa foi a razão para que [a Caixa] fosse retirada do estatuto de gestor público. Está sujeita a um conjunto de regras mais profundo, como estão todos os bancos. Não faz sentido estar sujeita às duas coisas. Não foi lapso. O escrutínio já é feito”. Este era o pensamento de Centeno a 25 de outubro, repetido dias depois, pelo próprio ministro das Finanças. “Não há nenhuma falta de escrutínio nem de controlo sobre o que quer que seja na Caixa Geral de Depósitos. O acionista Estado tem conhecimento perfeito da matéria que está em cima da mesa”.

Isolado dentro do governo, a começar pelo próprio primeiro-ministro que não sufragou a versão de Centeno, esta semana o ministro das Finanças apareceu já mais convertido à teoria dominante no governo e no PS. A questão deixou de estar resolvida para o Ministério das Finanças. 

Na terça-feira, interrogado sobre a situação dos administradores da Caixa, Mário Centeno respondeu: “Há instituições a analisar essa situação e este é o tempo das instituições funcionarem”. 

Mas “o tempo das instituições funcionarem” ameaça ser longo e prolongar o “folhetim que já dura há tempo demais”, como disse Passos Coelho. Na realidade, ao que sabe o i,  os administradores preparam-se para contestar com pareceres jurídicos a notificação que lhes fez o Tribunal Constitucional para a entrega das declarações. Se optarem por fazerem essa contestação no último dia do prazo, ainda têm muito tempo à sua frente – mais três semanas. Depois, caberá ao Tribunal Constitucional dar resposta à contestação dos administradores da Caixa. E como também o Tribunal Constitucional não é conhecido pela sua celeridade, a telenovela bizarra pode prolongar-se ainda por mais tempo. 
Todos os órgãos de soberania estão de acordo com a obrigatoriedade dos administradores da Caixa apresentarem as suas declarações de rendimentos. Marcelo Rebelo de Sousa fez um longo comunicado a defender a apresentação rápida das declarações no Tribunal Constitucional e avisou que, em última instância, a Assembleia da República poderia esclarecer o decreto maldito, publicado em julho, em que isentava os administradores da Caixa Geral de Depósitos do Estatuto do Gestor Público. Na altura, Mário Centeno só falou nos salários que iriam disparar, omitindo aquilo que também estava no seu pensamento ao fazer o decreto – como comprovam as primeiras declarações do Ministério das Finanças – de que o texto também isentava os novos gestores das obrigações de transparência. 

Centeno ficou fragilizado dentro do governo. O primeiro-ministro diz que está “fortalecido” pelos resultados económicos. A novela é que não acaba.