Bairro Clemente. Risco de derrocada em Oeiras põe em perigo 240 famílias

Parecer do Laboratório Nacional de Engenharia Civil avisa que os edifícios do bairro centenário onde moram mais de 500 pessoas precisam urgentemente de uma reabilitação profunda. Caso contrário, terão de ser demolidos

Os 240 apartamentos do Bairro Clemente Vicente, no Dafundo, correm o risco de colapsar.

O antigo bairro operário – onde em 2015 moravam mais de 500 pessoas – é notícia há anos pelos problemas de estrutura, mas a situação está a chegar a um ponto sem retorno: ou se age ou acontece uma catástrofe. Estas são as conclusões de um parecer do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) datado de 16 de julho de 2016 – feito a pedido da Câmara Municipal de Oeiras –, a que o i teve acesso. Ainda ontem, o vice-presidente da Câmara Municipal de Oeiras e vários vereadores estiveram no local para avaliar a situação.

As considerações finais do relatório são claras: é necessária uma “intervenção de reabilitação global e profunda”. E uma intervenção que deve começar a ser feita o quanto antes nas caves dos edifícios.

Nesses locais, é recomendável que se proceda ao “escoramento urgente das vigas metálicas mais deterioradas”, conclui o LNEC. Ainda assim, os peritos dizem que esta é uma “medida provisória que não elimina o risco de ocorrência de derrocadas nem sustém o processo de deterioração dos elementos estruturais, mas apenas diminui o risco até à realização das obras de reabilitação” – obras essas que, ao fim e ao cabo, englobarão todas as partes dos edifícios, já que os peritos consideram prioritária a “substituição/reparação dos pavimentos de madeira deteriorados”, a “reparação/reforço dos elementos de alvenaria deteriorados” e a “substituição de todos os passadiços exteriores”.

Demolição é outra hipótese Caso não se opte por uma intervenção global nos edifícios – e face ao elevado estado de degradação –, o parecer do LNEC recomenda a demolição e reconstrução dos mesmos.

“Perante os condicionalismos e os custos associados a uma intervenção de reabilitação global dos edifícios, dado o atual estado geral de degradação, afigura-se que será economicamente mais viável a opção de demolição e reconstrução dos edifícios”, sugere o laboratório.

Esta opção, para além de mais barata, “permitiria ainda adequar os edifícios, logo à partida, a novas condições de utilização e satisfazer os critérios de segurança da atual regulamentação, nomeadamente no que se refere à segurança aos sismos e à segurança contra incêndios” .

O parecer termina com um aviso: “É importante referir também que o risco de derrocada aumenta com o tempo.”

Apesar de ser de junho, a verdade é que o documento só foi entregue aos moradores a meio de setembro. Há cerca de três semanas, mais de meia centena de pessoas reuniram-se com o presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Paulo Vistas, para debater o problema. Ontem houve um novo encontro, mas informal.

Moradores divididos Sendo um bairro construído inicialmente para operários, a maioria dos condóminos tem baixos rendimentos. Muitos dos habitantes são pessoas de idade que se recusam a deixar as casas onde sempre viveram, até porque dizem duvidar que, caso a câmara suporte parte das obras, possam voltar às suas casas.

Com o passar dos anos, os apartamentos foram sendo vendidos e a maioria já não pertence à família do proprietário inicial, Clemente Vicente.

Maria Susete, 80 anos, nasceu aqui e é uma espécie de porta-voz não oficial dos moradores. Os pais foram morar para o bairro como inquilinos, nos anos 30, primeiro para um rés-do-chão e depois para uma “casa mais soalheira e com mais uma divisão”.

É nessa casa que Susete continua a viver, também como inquilina, mas desta vez de investidores que compraram alguns apartamentos. “Nunca quis comprar a casa, nunca achei que isto fosse coisa para a gente comprar, porque me ia dar muitas despesas.”

Ontem de manhã, Maria Susete foi uma das pessoas que fizeram questão de falar com vários membros do executivo camarário que estiveram no local a avaliar a situação. Consciente da gravidade das conclusões do relatório do LNEC, a moradora considera que o problema das caves é o mais premente. “Dantes havia uma pessoa responsável que abria as caves todos os dias para arejar, agora está sempre tudo fechado. E há quatro anos que não uso as passerelles [passadiços metálicos], tenho medo de cair.”

Também Dora Ferreira, que já leva 19 anos no bairro, relatou ao i que a situação do edifício está a piorar a olhos vistos. “No inverno passado caiu o passadiço de acesso ao telhado. Vivo aqui um dia de cada vez à espera do que possa acontecer. Tenho medo, especialmente quando chove.”

Mas há moradores que desvalorizam o parecer dos engenheiros. Carlos Gil, 64 anos, proprietário de um dos apartamentos, também mora aqui desde que nasceu. “Quando andava na escola primária, já se ouvia dizer que isto ia abaixo”, contesta.

Outros temem que os alertas sejam apenas um golpe imobiliário, dada a localização do bairro – que fica na primeira linha de rio, junto à marginal. “Julgo que só querem tirar as pessoas daqui por interesses económicos”, defendeu Jorge Caeiro, filho de uma das moradoras.

Alexandra Moura, vereadora da Câmara de Oeiras, diz, porém, que estas conjeturas não passam de “ruído”.

“Não há qualquer decisão tomada. Percebo que haja alarmismo, mas acho que isso só faz mal nesta fase do campeonato para quem cá mora. Nunca vi um estudo do LNEC com dados falsos, por isso acredito que esteja bem feito”, esclareceu. A vereadora do PS refere ainda que o primeiro passo é fazer o levantamento social do bairro.

A tarefa, garantiu ao i o vice- -presidente da Câmara de Oeiras, Carlos Morgado, já começou. “O que importa para já é fazer um levantamento exaustivo sobre os proprietários e os espaços arrendados ou desocupados, para depois partirmos para uma negociação com as pessoas. Esse levantamento já começou a ser feito, a câmara instalou na união da delegação de freguesias de Algés, Cruz Quebrada e Dafundo um gabinete local precisamente para contactar as pessoas”, revelou.

Só depois, garante o dirigente, se tomará a decisão: reabilitar ou demolir – uma solução que, prevê, não será fácil. “Acho que há pessoas que não estão cientes da gravidade, até porque que moram aqui há dezenas de anos e não é fácil cortarem com as suas raízes. Entrámos há pouco numa casa com um ótimo aspeto, e é difícil que as pessoas percebam que a estrutura do edifício está muito danificada”, considera.

Muito embora se trate de propriedade privada – e, segundo testemunhos de habitantes citados pelo vice-presidente, “tenha havido algum desleixo” –, a câmara diz estar ciente de que este é um problema social. “Aquilo que está aqui em causa é um problema de segurança das pessoas”, defende Carlos Morgado.

Miguel Pinto, antigo membro da comissão do bairro e que nunca deixou de acompanhar a situação, realça a responsabilidade da autarquia: “A câmara, como responsável pela proteção civil municipal de Oeiras, não pode pôr-se fora da solução, mesmo que tenha de adiantar o dinheiro para fazer as obras.”