Blogues políticos. cidadania ou caciquismo?

Os blogues servem mais a sociedade civil como pilar ou a sociedade política como ponte? Há casos diferentes numa história que já ultrapassa a década. 

Parece que foi há mil anos. Não havia Facebook, não havia Twitter, não havia jornais sem papel. Quando a blogosfera emergiu, havia autores com mais visualizações que páginas de diários. Uns emigraram para a política, outros para as redes sociais, alguns mantêm-se firmes. Há dissidências, regressos, denúncias e guerras. Na aldeia da blogosfera são poucos os que não se conhecem.

O início do século XXI e a velocidade da informação num mundo mais globalizado deram outra importância à opinião pública. A participação cívica foi facilitada através do acesso à internet e, antes do sucesso das redes sociais, foram os blogues a plataforma predileta. A diversidade de opiniões é similar à diversidade dos próprios blogues. Há blogues à direita, à esquerda, com ambas, mais para a economia, mais para a política, individuais ou coletivos. A divisão entre os que optam pelo anonimato e os que assinam também é acentuada. Se os blogues servem mais a sociedade civil como pilar ou se representam uma ponte de salto para a política, os pontos tornam a divergir. Há jornalistas, académicos, secretários de Estado, deputados e assessores de vários partidos. Se escreviam para serem recrutados ou se foram recrutados pela qualidade do que escreviam, também há divisão de opiniões.

PACHECO INOVA

A personalidade política de maior destaque a fundar a moda foi José Pacheco Pereira. O historiador e polémico militante do Partido Social Democrata criou o blogue Abrupto e fez também questão de assinar artigos de opinião, despertando a atenção da sociedade para a emergência da blogosfera. Dentro dos blogues ‘unipessoais’ de políticos destaca-se também o de Porfírio Silva, deputado do PS e um dos ideólogos contemporâneos dos socialistas portugueses. Mais distante do campo político, mas ainda dentro dos blogues individuais, destacam-se O Jumento, dos anónimos mais duradouros do campo, e Portugal dos Pequeninos de João Gonçalves. Este último, jurista, colaborou com vários jornais ao longo dos anos, escrevendo hoje para o Jornal de Notícias e bastante no Facebook. Gonçalves serviu também como assessor do primeiro governo de Pedro Passos Coelho, nos gabinetes de Miguel Relvas e Álvaro Santos Pereira.

COLETIVOS

Nos blogues coletivos, destacam-se à esquerda o Jugular, com Fernanda Câncio (ex-namorada de José Sócrates), Mariana Vieira da Silva (filha do ministro socialista Vieira da Silva), João Galamba (porta-voz do PS) e outros, incluindo o agora conhecido Domingos Farinho: o ‘revisor’ das obras publicadas em nome de José Sócrates. Ainda à esquerda, é várias vezes citado o Causa Nossa, que conta com a eurodeputada socialista Ana Gomes e o constitucionalista Vital Moreira.

Com sucesso e longe de uma linha ideológica única, O Destreza das Dúvidas foi evoluindo de blogue pessoal de Luís Aguiar-Conraria (professor universitário) para algo mais abrangente em tema e equipa. Conta também com Manuel Cabral e Nuno Garoupa, antes à frente da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

DISSIDÊNCIAS

Para a direita, lê-se o Blasfémias, que tem gosto em fazer jus ao nome, onde há peças assinadas por Carlos Abreu Amorim (deputado do PSD), José Manuel Fernandes e Helena Matos (do Observador), entre outros ativos internautas. André Azevedo Alves e Rodrigo Adão da Fonseca são ex-membros que passaram para o Insurgente, um blogue mais liberal e, literalmente, menos blasfemo. Adão da Fonseca colaborou em vários grupos de trabalho do CDS e do PSD, não sendo militante de nenhum. Contribuiu para a moção de estratégia de José Pedro Aguiar Branco e foi gestor público para as privatizações.

GUERRA

O Albergue Espanhol, entretanto terminado, contou com vários autores de direita, entre os quais Rodrigo Saraiva (ex-vereador do PSD em Lisboa), João Gomes de Almeida (publicitário) e o já referido Abreu Amorim, tendo travado uma guerra com o Câmara Corporativa, mais conhecido por Corporações. Se o Albergue dava muita força a Pedro Passos Coelho antes de este ser líder do PSD, o Corporações servia o mesmo propósito para o governo de José Sócrates. A diferença estava no anonimato em forma de ‘Miguel Abrantes’ que a página de esquerda preferia. À direita, dar a cara era um princípio e chegaram a perder colaboradores por isso.

O apoio a Passos Coelho e alguns convites a bloggers para integrar o seu o executivo não passaram despercebidos à imprensa. Colunistas como Daniel Oliveira e João Miguel Tavares atacaram essa passagem. Uma entrevista à Visão de Fernando Moreira de Sá, um dos bloggers simpatizantes do centro-direita, terá despoletado a revolta.

A ENTREVISTA…

As reações incluíram críticas e desmentidos. Moreira de Sá enumerou vários bloggers, alguns deles seus amigos. Rezou assim: «Álvaro Santos Pereira, do Desmitos, foi para ministro da Economia; Carlos Sá Carneiro entrou para adjunto do primeiro-ministro; Pedro Correia foi para o gabinete do Relvas; Luís Naves também, mais tarde; João Villalobos para a secretaria de Estado da Cultura; Carlos Abreu Amorim para deputado e vice-presidente do grupo parlamentar; António Figueira, do Cinco Dias, e de esquerda, foi trabalhar com o Relvas; Francisco Almeida Leite para o Instituto Camões; Vasco Campilho foi para algo ligado aos Negócios Estrangeiros; José Aguiar para o AICEP; Pedro Froufe para a comissão de extinção das freguesias; o CDS também recrutou no 31 da Armada. Houve outros. Só em ministros, secretários de Estado e assessores foi uma razia em blogues como o Albergue Espanhol, o 31 da Armada, Delito de Opinião, O Insurgente, o Blasfémias, etc.».

E OS JORNAIS

Não eram poucos e havia mais. João Miguel Tavares reagiu especialmente contra os jornalistas que transitaram com a subida de Passos ao poder, alguns deles bloggers. Escreveu em março de 2013, no Público: «Carla Aguiar é assessora do ministro da Administração Interna, Eva Cabral é assessora do primeiro-ministro, Francisco Almeida Leite é vogal da administração do Instituto Camões, João Baptista é assessor do ministro da Economia, Licínio Lima foi nomeado para diretor-geral adjunto de Reinserção, Luís Naves é assessor de Miguel Relvas, Maria de Lurdes Vale é administradora do Turismo de Portugal, Paula Cordeiro é assessora do ministro das Finanças, Pedro Correia é assessor de Miguel Relvas e Rudolfo Rebelo é assessor de Pedro Passos Coelho».

Também em março de 2013, Daniel Oliveira, no Expresso, atacou a equipa mais próxima do então primeiro-ministro numa crónica intitulada Os imberbes fanáticos de Passos Coelho, incidindo sobre Bruno Maçães e Miguel Morgado, ‘dois jovens bloggers’. Em entrevista recente ao SOL, Morgado afirmou ter conhecido «gente muito inteligente e muito bem formada na blogosfera que não tinha oportunidade para escrever nos jornais».

Bruno Maçães chegou a secretário de Estado dos Assuntos Europeus e foi escrever um livro sobre o conceito de eurásia, numa viagem que levou o seu Twitter a receber várias menções da imprensa internacional. Miguel Morgado é hoje vice-presidente da bancada parlamentar do PSD e presença semanal na televisão. Para ‘imberbes’, não lhes parece ter corrido mal.