Gioia. Com fé na comida saudável mas sem fanatismos

Abriu na Praça da Alegria e oferece coisas tão variadas como pizzas, tártaros, risottos e peixe dos Açores. Tudo isto com zero trigo e zero açúcar, mas 100% do sabor

O som das panelas e o cheiro a dar horas de almoço dão-nos a certeza de que estamos num restaurante, mesmo que à porta da cozinha esteja pendurado um letreiro a dizer “laboratório”. Ainda que sem fórmulas químicas, este restaurante tem ciência e a primeira prova é dada ainda a comida não foi servida. De garrafa tipo balão de ensaio na mão, começam as explicações: “Esta é uma água purificada com pH regulado para ajudar na digestão.” Já de copo meio vazio e estômago meio cheio, estamos prontos para apreciar uma carta que saiu diretamente da imaginação do chefe Daniel Estriga, conhecido já pela cozinha criativa que fez nascer no Conceito Food Store, o seu restaurante em Cascais.

Na cozinha do Gioia não entram trigo, açúcar ou alimentos processados. Mas tudo o que sai, garantimos, não perde sabor por isso. Podemos até arriscar dizer que o menu só fica a ganhar. Senão vejamos: há pão no couvert, mas feito de farinha de kamut e mergulhado em azeite biológico; há pizzas, mas com uma base de farinha de espelta; esparguete que, afinal, é courgette; e sobremesas que, apesar de doces, trocam o açúcar por mel e tâmaras.

São estas trocas e baldrocas culinárias que acabam por explicar o letreiro que indicava estarmos diante de um “laboratório”. “Tivemos de fazer muitas experiências até conseguirmos chegar a este menu”, conta ao i Daniel Estriga. “Manter o sabor e as consistências sem para isso juntar farinhas e açúcares tradicionais não é fácil.” E nalguns casos foi mesmo impossível. “Conseguimos fazer pizza à base de espelta, mas percebemos que, nos pratos de massa, o trigo era fundamental.” Esta exceção mostra que, apesar do cuidado em apresentar pratos com opções mais saudáveis, não há cá espaço para fanatismos. “Preocupa-nos, sim, ter consciência da forma como os alimentos que servimos são tratados”, acrescenta o chefe.

Quase que como prova do que Daniel acaba de dizer, chega à mesa um prato com carapau, boca negra e encharéu. “Só servimos peixe dos Açores porque sabemos que é o único sítio com uma pesca mais consciente.” Antes já nos tinha passado pelo palato uma textura de cenouras com cuscuz e um falso arroz de peixe, feito com massa pevide. E já com o estômago a bater palmas de gioia (alegria, em italiano, ou não estivéssemos nós em plena praça lisboeta com esse nome), chega à mesa uma pizza salpicada com presunto pata negra. “Queríamos ter uma cozinha internacional sem deixar de sentir que estamos em Lisboa”, explica Daniel, apontando na carta alguns outros exemplos deste melting pot culinário: “Para prato principal tanto temos pastrami como carapaus com migas, e nas sobremesas há farófias, mas também panna cotta.”

O difícil aqui não é só escolher entre as propostas do chefe; a dificuldade vem logo na hora de explicar aos amigos o conceito do novo restaurante no qual queremos marcar o próximo jantar. “Não é de autor, não é italiano, não é totalmente saudável, não é vegetariano”, enumera Daniel, antes de chegar à conclusão: “Basicamente, responde a todas as restrições e agrada a todos os gostos.”