Um ano de ‘geringonça’…

A ‘geringonça’, enquanto forma de Governo, completou um ano de rodagem. Mas o foguetório começou mais cedo, com a ajuda do INE, que divulgou oportunamente a melhoria do PIB no último trimestre. As fanfarras não tardaram, celebrando hoje o «poucochinho» que os mesmos desvalorizavam ontem.

A confirmar-se a tendência até ao fim do ano, António Costa e os parceiros do Bloco e do PCP reforçarão a sua fé nas virtudes do arranjo e hão de rezar uma novena por não terem acabado ainda em divórcio, apesar das escaramuças.

Quem haja acompanhado os media nas últimas semanas, ficará com a sensação de que a crise já lá vai e a austeridade era uma patologia excêntrica de Passos Coelho. Dir-se-ia que Bruxelas vive em estado de deslumbramento com o Orçamento do Estado para 2017 e que o país recupera como nunca do atraso em que vegetou.

A ‘paz social’ ditada pela CGTP desceu à cidade, para sossego do Executivo e dos crentes. Até a greve e a manifestação da Função Pública se resumiram a eventos envergonhados, sem vestígios do berreiro de outrora.

Marcelo Rebelo de Sousa comentou mesmo que a greve foi «a pensar no Orçamento do Estado para 2018», porque o de 2017 «está fechado, está praticamente aprovado».

Tivemos, portanto, um protesto inovador, uma espécie de greve cautelar. E provou-se, de novo, que Marcelo Rebelo de Sousa continua a ‘pôr a mão por baixo’ do Governo, como não há memória de outro o ter feito. 

Se Cavaco Silva tivesse ajudado assim Passos Coelho durante os quatro anos em que andou a penar com a troika à perna – trazida pelo PS, convém sempre recordá-lo – não faltaria quem o acusasse de estar a tomar partido.

Não o fez, e por travessura do destino acabou por deixar Belém depois de investir em funções o primeiro Governo socialista, ancorado em partidos de orientação comunista.

A ‘ponte’ que funciona agora entre Belém e São Bento, atravessada regularmente em ambos os sentidos, só por acaso suscitou algum reparo na opinião publicada neste primeiro ano de vivência em comum. O que tem servido para prolongar uma espécie de ‘estado de graça’.

Será esse o biombo para a inacreditável trapalhada da Caixa Geral de Depósitos, degradando a imagem do banco público e da sua nova administração, sem que alguém haja tirado as consequências pelas asneiras somadas.

Neste processo grave e bizarro até o Presidente andou mal, ao promulgar um diploma que retirava à equipa de António Domingues o estatuto de gestor público, talvez para não ser suspeito de inviabilizar uma solução embrulhada em vistosa embalagem de muitas competências.

A nota publicada no site da Presidência a «explicitar» as razões da promulgação reflete as proporções do embaraço.

Convenhamos não ser muito usual que o Presidente venha esclarecer que o diploma foi «apresentado pelo Governo como necessário para a entrada de funções de nova administração», e que foi por ter sido confrontado com «o agravamento do risco de paralisia da instituição» que decidiu promulgar o controverso decreto-lei.

O ralhete presidencial desautoriza quem agiu no Governo de forma imponderada em matéria extremamente sensível, sob a responsabilidade primeira de António Costa, a quem coube validar um acordo que não podia ter sido feito,  

Mas, como diria Marcelo noutros tempos, Costa e Centeno continuaram ‘a assobiar ao cochicho’. O folhetim da Caixa segue dentro de momentos, com a recapitalização adiada para algures em 2017.

Depois da saga das ‘reversões’, e das cortinas de fumo nos media para disfarçar o impacto das ‘cativações’ às escondidas, o Governo desdobra-se em sessões de fogo-de-artifício e afivela a máscara do otimismo. Se não houver oposição que revele os truques e os embustes, estamos feitos.

Nota ‘póstuma’ – O Diário de Notícias foi desalojado esta semana da sua sede histórica na Avenida da Liberdade, vendida à especulação imobiliária «para habitação e serviços», sem protesto de ninguém – jornalistas incluídos – e com a cumplicidade silenciosa do Ministério da Cultura, município de Lisboa e Ordem dos Arquitetos.

Um edifício classificado – património da cidade e de um jornal centenário –, construído de raiz para ser a casa do DN, mudou de mãos.

Vai ser destruído por dentro, conservando a fachada. Afinal, um retrato do próprio país: com a dívida pública já no patamar dos 133,1% do PIB – a terceira maior da Zona Euro –, continuamos alegremente a viver da fachada, enquanto a ganância dos negócios corrompe o património e apaga o passado.

O DN, quase a completar 152 anos, foi despejado. Na derradeira edição preparada na sua sede, apresentaram-se algumas carpideiras, incumbidas das lágrimas de circunstância.

O Diário de Noticias perdeu o estatuto de jornal para passar a ser uma ‘marca’. É a triste ‘marca’ dos tempos…