Bom Dia, Atenas! Gregos quanto baste

Que nunca basta. Quando o teatro é mais urgente que nunca, não para ser político, antes para interromper a realidade. Que bem precisa

6 A.M. seria hora perfeita para fazer nascer qualquer coisa, o que fosse, mas será aqui para desaparecer. Palavras de Friedrich Hölderlin num espaço de Andrei Tarkovski num manifesto de interrupção da realidade que é bem necessário – se não for o aqui e o agora do teatro a fazê-lo, será o quê? Questão levantada por Christos Passalis, ator grego que já nos tinha chegado através de Yorgos Lanthimos, um dos nomes que no cinema ajudaram a definir uma nova estética muito grega, muito pós-crise, da qual será fácil encontrar vestígios em “6 A.M. How To Disappear Completely”, que o Blitz Theatre Group apresenta entre hoje e domingo no São Luiz Teatro, numa co-produção do teatro de Lisboa estreada há um ano em Atenas.

Hölderin, num poema, “Lamento de Menon por Diotima”, e Tarkovski com o seu “Stalker” serão os pontos de partida então, explicação para este subúrbio sem tempo nem espaço em que se encontram estas personagens que procuram construir um caminho para uma nova realidade. Ou “uma saída da realidade, da narrativa central, uma saída do mundo”, que parte

Com todos os paralelismos possíveis com a crise grega, esclarece Passalis que não era contudo essa a intenção do Blitz, grupo de Atenas onde todos os membros são iguais nos processos de conceção, escrita e direção dos espetáculos, em “6 A.M. How To Disappear Completely”. Porque o teatro em que acredita não é o que o momento obrigaria a ser político aos nossos olhos. É o que interrompe a realidade, porque resistência pode ser isso, mais do que um manifesto. “Sou uma pessoa diferente depois de Godard ou de Tarkovski”, explica ele que já tinha citado Godard justamente sobre a questão não ser fazer filmes políticos mas fazer filmes de forma política.

O fim da política? Será impossível negar a influência do que se viveu nos últimos anos na Grécia quando se assiste a esta peça que, conta Passalis, foi escrita em Atenas há dois anos, com uma influência inegável da realidade que os rodeava. “6 A.M. How To Disappear Completely” é um quase conto de fadas de um grupo de pessoas num espaço onde noutros tempos se construía, que apenas procuram uma saída. Proposta para uma nova perceção do mundo num espaço físico e metafísico, organismo vivo que reage ele próprio às personagens, que age e reage como protagonista detentor ele próprio de uma paisagem espiritual interior.

Seja “6 A.M. How To Disappear Completely” política ou não, o discurso conduz-nos certamente a um lugar longe dos maniqueísmos com que é fácil olhar-se para o país europeu mais penalizado pela crise que abalou a Europa na viragem da década. A Praça Sintagma, por exemplo, tornada bastião da esquerda por uma assimiliação seletiva dos acontecimentos, foi no início da semana lembrada por um grupo de atores gregos no debate “Teatro em Tempos de Cólera”, no São Luiz, como a mesma de que se serviram os movimentos de extrema direita para a sua escalada.

A realidade. Ou o teatro-realidade que é esta “Clean City” que nos trazem Anestis Azas e Prodromos Tsinikoris, também de Atenas (hoje e amanhã às 19h no Maria Matos). Ideia vinda de há uns anos, pico da crise, a luta das empregadas domésticas e o “limpar a casa” metafórico que se tornou slogan de uma extrema-direita em ascensão – Aurora Dourada, partido neonazi formado na década de 70 que ganhou expressão parlamentar durante os anos da crise, faz parte do glossário deste espetáculo. Como a Petrou Ralli, avenida onde fica o único gabinete de registo de estrangeiros de Atenas, e as explicações das referências a personagens da cultura popular grega como Notis Sfakianakis, cantor pop nacionalista que num contexto em que tudo se tornou possível assumiu publicamente uma simpatia pelos regimes totalitários europeus do século passado; ou Giannis Antetokounpo, jogador de básquete nascido em Atenas filho de nigerianos e a quem só depois de uma carreira de sucesso na NBA, e de toda uma vida sem documentos, a Grécia concedeu a nacionalidade.

Não é contudo sobre eles “Clean City”. É sobre os imigrantes que na Grécia “sempre realizaram o trabalho de limpar o país, desde as casas da classe média em ascensão às estações ferroviárias e comboios da nação”. É sobre as histórias destas mulheres, cinco mulheres, empregadas de limpeza e imigrantes, pela ordem que se quiser, tornadas bodes expiatórios de uma crise a que, sublinha Prodromos Tsinikoris, já não se poderá chamar crise. Porque não será certamente crise isto que já se instalou como “condição permanente”.