O fungagá da Caixa…

A demissão de António Domingues da Caixa é um  fracasso do Governo que ensombrou os festejos programados para comemorar o primeiro ano da ‘geringonça’.

E constitui uma enorme nódoa que torna insustentável a situação nas Finanças de Mário Centeno e do seu ‘ajudante’ Mourinho Félix, por muito que se queira aparentar o contrário.

Se ninguém retirar as consequências políticas desta novela inconcebível, é porque já se perdeu totalmente o pudor.  

A renúncia de Domingues, depois de ter esticado a corda até ao limite, era incontornável. Triste sina a de um banqueiro que saiu da obscuridade para o foco mediático pelas piores razões. Exigiu uma lei à medida, para ficar isento das regras do gestor público e acautelar mordomias. Em contrapartida, sentiu-se ‘ofendido’ com a aprovação de uma lei no Parlamento que considerou ad hominem.

Dois pesos e duas medidas para um homem só. E com duas caras: aceitou ser enviado especial do Governo a Bruxelas para negociar a recapitalização do banco público, embora fosse ainda administrador executivo de um banco privado. Se isto não configurou um conflito de interesses – e uma delicada quebra de ética – é difícil encontrar melhor exemplo. Contudo, tanto o supervisor como a CMVM guardaram silêncio.

O desfecho foi o que se adivinhava. Todos ficaram mal na fotografia.

O imbróglio da Caixa é culpa do facilitismo, do improviso, da incompetência e do ‘posso quero e mando’ que atravessa o Executivo de António Costa. O embaraço entra pelos olhos dentro, mesmo para quem queira meter a cabeça na areia.

Talvez por isso, para compensar o desnorte, o primeiro-ministro tentou desviar as atenções da polémica, responsabilizando o anterior Governo por ter sido quem «destruiu um banco como o Banco Espírito Santo (BES), e conduziu à destruição de um segundo banco, caso do Banif».

A declaração soou a falso, num contexto em que todas as energias deveriam estar concentradas na solvabilidade do banco público, deixando aos tribunais o julgamento do processo do BES e das suas  sequelas. 

Bastaria, aliás, Costa reler a comunicação feita ao país pelo governador do Banco de Portugal, e o elenco de irregularidades que o supervisor atribuiu à gestão do BES – incluindo a desobediência sistemática às suas diretivas –, para não ceder à tentação de atirar pedras ao telhado do vizinho.

Ao afirmar nessa entrevista que o PSD «enquanto Governo (…) procurou esconder dos portugueses a situação em que se encontrava o sistema financeiro», Costa repetiu, por outras palavras, o mesmo que disse Mário Soares à RTP, em setembro de 2014. Citemo-lo: «O Governo [de Passos Coelho] quis atirar tudo ao charco, por incompetência. E agora arrependeu-se».

Com dois anos de intervalo – e estando o dossiê BES a seguir os trâmites (lentos) da Justiça –, Costa imitou Soares a seguir à derrocada do ‘banco do regime’. Não foi bonito.

A réplica viria pela voz de Maria Luís Albuquerque, dizendo, a propósito, que se António Costa fosse primeiro-ministro em 2014 «teriam sido entregues milhares de milhões de euros de dinheiro dos contribuintes ao Dr. Ricardo Salgado para evitar o colapso do BES». E acusou-o de dar um «sinal de uma grande ignorância ou até de iliteracia». Quase ninguém a ouviu.

Afinal, se Passos Coelho quisesse esconder as fragilidades do sistema financeiro – e do BES, em particular – não teria sido mais avisado acolher as pretensões de Ricardo Salgado, que o procurou de mão estendida quando o naufrágio estava à vista?

Andam demasiadas «disfunções cognitivas temporárias» à solta, para utilizarmos a novilingua de um governante.

De facto, por muito que as sondagens animem os fieis – e Marcelo se esforce por desvalorizar «os pormenores» –, a realidade é outra. E a festa pode acabar mal e abruptamente, como já aconteceu em 2011.

Se a resolução do BES foi vista como um ato corajoso de um Governo que não quis pactuar com o suposto ‘dono disto tudo’ – quando percebeu que este tinha pés de barro –, a inépcia demonstrada agora com a Caixa não deixa o atual poder político em bons lençóis.

O recurso a Paulo Macedo é o plano B para salvar a pele e ‘neutralizar’ o PSD.

Há quem veja em António Costa uma personalidade ‘régia’, seguindo uma lógica absolutista, sobretudo desde que se convenceu que tinha o PCP e o Bloco no bolso.

No meio do pingue-pongue político – e embora não acredite que ‘as vacas voam’ –, o Presidente da República desdobra-se a pôr água na fervura. E concede a bênção a um Governo que nasceu torto.

Compra-se a ‘paz social’ cedendo ao PCP e ao Bloco tudo o que precisam para alimentar as clientelas. Por isso, Louçã e Jerónimo estão de veludo.

António Costa governa com um único fito: ganhar as eleições e ser legitimado. Às cavalitas de Marcelo, claro. E depois se verá…