Vanessa. Percebe-se sempre tudo

Tentei convencer a Vanessa de que a nossa intuição percebe sempre tudo em 15 minutos, mas a cultura é que nos obriga depois a negar as evidências. Ela acabou de conhecer um absolutamente evidente parvo, mas está disposta a dar o benefício da dúvida.

Um dos desportos favoritos da Vanessa é a conversa da tanga. Aliás, muitas mulheres adoram a conversa da treta. Os homens que eu agora conheço mais de perto também. Talvez todos, no fundo, sejamos fãs das conversas ridículas. É uma distracção barata. Uma ocupação inocente. Um entretém sem riscos. Bem, há o risco de viajar na maionese – pode não vir grande mal ao mundo, mas nunca se sabe. Fazer uma maionese já é em si das coisas mais complexas da existência humana tendo em conta o seu risco de deslaçar: viajar na maionese pode induzir o risco de, vá lá, deslaçar assim um bocadinho a cabeça. E por muito que os psicoterapeutas também tenham direito à vida e a beneficiar do aumento da procura interna, é preferível escapar a isso. 

Esta minha conversa da treta ocorreu-me porque esta semana a Vanessa resolveu que tínhamos à viva força de ir beber uns copos na véspera do feriado e por mais que eu lhe dissesse que tinha que trabalhar no feriado, que essa coisa da reposição ainda não me calhou, tendo em conta que os jornais saem quase todos os dias, ela insistiu. 

Fomos ao Fox-Trot, um bar perto da praça das Flores, onde eu não entrava desde os tempos em que a Vanessa ainda estava casada com o Júlio, o seu primeiro marido – e esse casamento acabou antes de ela fazer 30 anos. Não vou fazer as contas. Não entrava no Fox-Trot há uma eternidade e tive uma enorme alegria: o Fox-Trot está igual, nada mudou, a Vanessa tem rugas, o Fox-Trot não. Contrariando agora Cesare Pavese, é verdade que esporadicamente os sítios onde fomos felizes revelam uma magnífica habitabilidade.

Sentei-me num sofá e a Vanessa numa daquelas cadeiras que antigamente se chamavam “senhorinhas”, despojos dos tempos em que as mulheres eram frágeis – ou podiam sê-lo. De vez em quando, vale a pena apontar aqui e ali um ou outro direito desadquirido.

– Sabes que agora conheci um gajo giro? 

De vez em quando a Vanessa conhecia gajos giros. Acho que isto começou aos 14 anos, piorou aos 20 anos, não melhorou entretanto.

– O Zé Manel?

– Esse já tinha conhecido antes e deixou de responder às minhas mensagens.

– Mas não tinha voltado à carga entretanto?

– Sim, tinha. Mas decidi seguir o teu conselho: se da primeira vez o gajo foi parvo, será sempre parvo.

– Ora aqui está uma evidência.

A Vanessa questionava-se agora por que é que as evidências não eram assim tão evidentes. Ou seja: por que é que tendo nós consciência das evidências demoramos tanto tempo a aceitar que sejam evidentes.

– Há várias explicações para isso. 

Eu avancei com aquela teoria de que a nossa intuição é capaz de fazer um relatório completo sobre alguém  nos primeiros 15 minutos, mas o nosso cérebro é demasiado limitado por valores culturais e literatura romântica para deixar que a intuição funcione livremente. Ou seja, se deixássemos a intuição funcionar perdíamos menos tempo com parvos. E ainda menos com conversas parvas. Provavelmente eu ficaria sem assunto para crónicas, mas podia dedicar-me a fazer croché. 

E então a Vanessa avançou:

– A minha intuição diz-me que este gajo que acabei de conhecer é um imbecil chapado. Disse uma ou duas coisas absolutamente idiotas. Mas o outro lado da minha cabeça diz-me que ele é giro e faz-me rir. 

– Queres escolher desta vez a intuição? Poupavas tempo. 

– Não sei. É preciso ter em conta que pelo menos isto é um entretém. Enquanto vou perdendo tempo com as mensagens dele, que são um bocado estúpidas, também me distraio. É preciso ter isto em conta.