Jorge Jesus é o António Costa do Futebol

Há realidades que superam a imaginação mais criativa. Uma delas é o estado da discussão sobre futebol nas televisões nacionais.

1.Há realidades que superam a imaginação mais criativa. Uma delas é o estado da discussão sobre futebol nas televisões nacionais. O primeiro facto inusitado é a omnipresença dos espaços sobre a modalidade nos canais noticiosas que emitem 24 horas: há programas sobre futebol de manhã, à tarde, à noite e de madrugada. Note-se que nós somos vibrantes adeptos da modalidade: mas com peso, conta e medida. Não é preciso exagerar na dose do futebolês.

2.Dito isto, percebemos a estratégia das estações de televisão: esticar ao máximo produto futebolístico que é barato, fácil e dá milhões. A todos os seus protagonistas, incluindo as estações e comentadores associados. Futebol significa para as estações dinheiro fácil em caixa. O que é bom, porque permite financiar outros programas não tão lucrativos, mas tão mais importantes.

3.Esta omnipresença dos espaços de notícias e comentários sobre futebol gerou, no entanto, consequências perniciosas para o próprio desporto.

É que tantas e tantas horas de futebol levaram à necessidade de inventar constantemente razões de interesse para os espectadores se manterem agarrados ao ecrã: daí que as mentiras ou as verdades forçadas, já para não dizer os “disparates analíticos”, aumentaram radicalmente nos últimos tempos.

4.Em abono da verdade, refira-se que Rui Santos desempenhou uma função pioneira na definição dos cânones do comentário futebolístico actual: basta evocar que o seu “Tempo Extra” está em antena há catorze anos (sendo um dos programas mais antigos da televisão nacional) e gerou todos os demais, desde o “Trio de Ataque”, passando pelo “Domingo Seguinte” ou mesmo o “Prolongamento”.

5. Rui Santos é mesmo hoje um dos jornalistas predilectos de Francisco Pinto Balsemão. À sua maneira (e com o seu estilo peculiar), todos tentam hoje imitar Rui Santos – desde a análise repetida e enfadonha de cada lance, passando pelas insinuações sobre o “sistema” até às críticas contundentes à arbitragem, todos os comentadores desportivos são, em maior ou menor grau, discípulos de Rui Santos.

6.Por outro lado, o intercâmbio permanente entre protagonistas da comunicação social ligada à política, políticos e futebol, conduziu à aproximação entre o discurso da política e o discurso do futebol. Acentuou-se, pois, o fenómeno que apelidamos de “ politização do futebol” – o que é natural, porquanto o futebol é uma manifestação de poder e hoje é mesmo um centro de poder. 

Pense-se, por exemplo, no caso de um jornalista muito competente que é Nuno Saraiva: Saraiva foi durante anos o Director-Adjunto do “DN”, apoiante de Maria de Belém nas últimas presidenciais, deixando o cargo no jornal para ocupar o lugar de assessor de imprensa do Sporting de Bruno de Carvalho. Ora, como é que é estruturada a comunicação dos clubes nos dias que correm? Através da criação de “factos futebolísticos”, inspiradas nos “factos políticos” criados por Marcelo Rebelo de Sousa na década de 70 e que se prolongam até hoje.

7.Pois bem, as reacções ao jogo Benfica vs. Sporting reflectem esta nova forma de comunicação dominante no futebol. Em vez de se falar de futebol, falam-se de casos, de lances suspeitos. Lançam-se ataques pessoais ao árbitro do jogo. Criam-se casos para disfarçar derrotas e diminuírem-se vitórias.

É incrível: na nossa sociedade, o futebol é essencialmente um jogo de comunicação. O jogo verdadeiro começa quando o jogo acaba nas quatro linhas: é mais importante vencer o duelo comunicacional do que marcar golos. Este é o melhor legado (único?) que Bruno de Carvalho deixará aos sportinguistas.

Dito isto, não podemos deixar de assinalar que Jorge Jesus é um mestre da comunicação. Jorge Jesus é uma figura que a comunicação social portuguesa adora – o que explica o tratamento de excepção de que beneficia. Por exemplo, Rui Santos (que desconfia de tudo e de todos) nunca imputa uma derrota a Jesus: são os jogadores, são os árbitros, são os guarda-redes, o “sistema”…nunca Jorge Jesus. Jorge Jesus nunca falha. É um tratamento verdadeiramente excepcional. Único.

8.Só tem uma comparação possível: António Costa. Há duas personalidades que são uma espécie de fétiche da nossa comunicação social: Jorge Jesus e António Costa. São os únicos que passa sempre incólumes a qualquer erro, a qualquer polémica e que merecem sempre um tratamento elogioso muito superior aos respectivos méritos reais. As semelhanças são incríveis:

1)Uma vitória é sempre empolada ; uma derrota é sempre desvalorizada. António Costa consegue um número económico não negativo – na nossa imprensa parece que e feito histórico, ao nível da padeira de Aljubarrota. Já os números negativos são escondidos ou explicados, aparecendo sempre alguém que aceita dizer que, afinal, não é assim tão negativo. No caso de Jorge Jesus, qualquer vitória é considerada como a prova de que o homem é um génio da bola, um treinador sem paralelo, um mestre da táctica – já as derrotas são sempre explicadas com factores externos, sobretudo arbitragens;

2)As asneiras e declarações infelizes de António Costa passam sempre incólumes, são ignoradas e morrem no próprio dia. Não se pedem justificações, nem explicações – passam-se à frente. António Costa goza de um estatuto de impunidade: está acima de qualquer lei ou convenção ou tão-só regra de boa educação. Jorge Jesus pode criticar tudo e todos, pode desvalorizar  sem tino o seus adversários, pode utilizar linguagem ofensiva – nada lhe acontece. É sempre um génio incompreendido. Um mestre da Táctica – desvalorizando-se, pois, todas as declarações infelizes e comportamentos. Jorge Jesus beneficia de um estatuto de impunidade…só comparável a António Costa;

3) Tal como António Costa é apresentado como o hábil, o pragmático da política – Jorge Jesus é apresentado como o hábil (que enganou o Benfica e foi para o Sporting), como o treinador pragmático que não se importa de perder certos jogos para (tentar!) ganhar outros. Em qualquer caso, ganhem ou percam, são sempre génios que não podem ser criticados. Já aqueles que ousam criticar, são malucos, lunáticos ou sub-humanos porque não conseguem tanto brilhantismo em tais personagens…

4) Tal como António Costa (que perde eleições, mas arranja sempre forma de fingir vencedor e se impor “democraticamente” aos portugueses), Jorge Jesus raramente ganha um jogo. Mas ficamos sempre com a ideia de que Jesus é uma máquina de vitórias, para os comentadores televisivos que não nos largam – Jesus ganha sempre em cantos, em livres, em ataques rápidos, em lances mal vistos pelo árbitro, em pontapés por cima da baliza, ao lado da baliza, remates desencontrados com a baliza…só não ganha numa coisa: remates que efectivamente dão golo. Logo, Jesus não ganha jogos – como António Costa, Jesus vê sempre vitórias em derrotas.

9.Ora, esta coincidência de tratamento favorável dedicado a dois personagens, de mundos distintos, mostra o progressivo esbatimento de fronteiras entre o mundo da política o mundo do futebol e o mundo da comunicação social dominante. Nuno Saraiva é apenas um exemplo.

Por exemplo, ontem, assistimos a um episódio muito caricato, em simultâneo, na SIC Notícias e na TVI 24.

9.1.Ao mesmo tempo, Manuel Fernandes afirmava, na SIC N, que o árbitro do jogo Benfica vs. Sporting faltara a uma reunião de manhã, mandando o quarto árbitro. Este dissera que “tinha nojo por jogadores que enganam os árbitros”. Como é que Manuel Fernandes sabia? Um amigo tinha estado presente e ligou-lhe para contar a história.

9.2.Já José Eduardo, na TVI 24, disse que… que o árbitro do jogo Benfica vs. Sporting faltara a uma reunião de manhã, mandando o quarto árbitro. Este dissera que “tinha nojo por jogadores que enganam os árbitros”. Como é que Manuel Fernandes sabia? Um amigo tinha estado presente e ligou-lhe para contar a história.

9.3. Ao mesmo tempo, em dois estações diferentes, duas pessoas diferentes – mas com um amigo comum que contou exactamente a mesma história! Evidentemente que foi concertado com a equipa de comunicação do Sporting! E o Benfica e o Porto já fizeram algo de semelhante no passado!

10. O que nos irrita solenemente é que, nos nossos media, Rui Vitória nunca ganha nenhum jogo – Jorge Jesus é que os perde!

Rui Vitória – campeão nacional, vencedor da Taça da Liga, chegou longe na Champions e está em primeiro lugar – nunca ganha nada segundo a nossa comunicação social! É um treinador triste, apagado…com sorte!

Haverá maior falta de respeito, arrogância e preconceito? Tenham respeito pelo profissionalismo de Rui Vitória – ao contrário de outros, o treinador do Benfica não precisa de bajular ninguém para ter fama de vencedor!

11. Para ser vencedor Rui Vitória faz o essencial: vencer jogos, vencer campeonatos, vencer troféus! O campeonato do Rui Santos, esse, é inteiramente para Jorge Jesus – é merecido para ele e para a meia dúzia de espectadores que vêem aquele programa…