O último tango em Lisboa

A sofreguidão, o deleite, a volúpia, a entrega com que se debateu o salário do presidente da Caixa Geral de Depósitos foram evidentes. 

Muito raramente se discutiu o que fizeram à Caixa anos de sucessivos arranjinhos político-partidários nas administrações, sobretudo no tempo de Sócrates, o dinheiro malbaratado que agora lá falta, ou os despedimentos de milhares de trabalhadores que o PS, PCP e BE acordaram fazer. O salário, sim, causou escândalo.

Se queremos ver a pátria assanhada, basta falar dos salários de quem exerce funções numa empresa do Estado, numa entidade pública ou na vida política. 

Falou-se muito da CGD, chegou a hora de se falar da Câmara Municipal de Lisboa. Conheceu-se esta semana a decisão de Pedro Santana Lopes de não se candidatar. Esse facto político foi tratado como um problema político para o PSD local e até para a liderança de Pedro Passos Coelho. Erradamente.

A verdade é que o lugar de candidato a presidente da Câmara Municipal de Lisboa é dificílimo de preencher. É bom que se perceba isto de uma vez por todas. 

Pede-se ao candidato o seguinte: disponibilidade para governar a capital do país, com 500 mil habitantes, mas numa área metropolitana de 1,5 milhões de pessoas, com uma dívida grande e com centenas de dossiês a decorrerem ao mesmo tempo. Pede-se ao candidato que seja objeto de intenso escrutínio público, mediático e pessoal. Que saiba sempre tudo sobre Lisboa, que esteja em todos os sítios, conferências, spots, summits, happenings onde estão os media, que apareça fresco que nem uma alface, de manhã à noite, e que fique sempre bem nas fotografias, de preferência sem atropelos ao protocolo. 

Se depois disto tudo conseguir ganhar a CML, valeu a pena a aposta e o esforço. Mas ainda assim, o presidente da CML ganha dez vezes menos do que o presidente da CGD. 

Mas e se perder? Exige-se que exerça o lugar de líder da oposição diariamente, empenhadamente, exatamente com o mesmo nível de competência como se fosse o presidente da CML. E espera-se que o faça durante todo o mandato, até tentar de novo candidatar-se e ganhar, sendo que durante quatro anos ganhará menos do que o salário mínimo nacional em cada mês. 

Ora, o resultado prático disto qual será? As melhores pessoas, as mais qualificadas e preparadas, não estão interessadas em candidatar-se. E, caso o façam e não ganhem, não ficam muito tempo como líderes da oposição. O que agrava dois problemas: a ausência consistente de oposição e a quebra de confiança entre eleitores e eleitos.

Poucas pessoas bem-intencionadas estão em condições de abandonar a sua vida, carreira e profissão para abraçarem a candidatura autárquica a Lisboa. Têm melhores opções de vida e de carreira, com menos risco. 

Portanto, está na hora de, com realismo e sentido de justiça, sem escândalo, debatermos o problema: é justo o líder da oposição em Lisboa ganhar por mês menos do que o salário mínimo nacional?

sofiarocha@sol.pt