Cornucópia vai mesmo deixar de existir

“O Teatro da Cornucópia acaba no princípio do ano, na realidade já acabou. (…) A empresa dissolve-se nos próximos dias, dependendo apenas de procedimentos legais que terá de cumprir”, lê-se num comunicado que acaba de chegar às redações, assinado pelos diretores da companhia, Luís Miguel Cintra e Cristina Reis. 

Um documento que surge na sequência daquilo a que a dupla chama de “lamentável confusão gerada nos órgãos de comunicação social pela inesperada visita do Senhor Presidente da República ao Teatro da Cornucópia” e que se sentem agora na obrigação de esclarecer.

Depois de anunciado que o recital “Apollinaire” e lançamento do segundo “Livro do Teatro da Cornucópia/ Espectáculos 2002-2016” e de um DVD, agendados para este sábado, coincidiriam com o encerramento da companhia criada há 43 anos, por as verbas concedidas (309.600 euros por ano, mais 6 mil euros de renda) serem “insuficientes para o projecto de, ao nosso modo, fazer teatro”, Marcelo Rebelo de Sousa avisou que visitaria o espaço, nesse mesmo dia, para se inteirar da situação. Uma visita inesperada – e criticada por muitos pois contraria o princípio da separação de poderes, tanto mais que obrigou o ministro da Cultura a alterar a sua agenda de forma a também estar presente.

Na conversa que envolveu a direção da Cornucópia, o Presidente da República e o ministro da Cultura, Marcelo insistiu se a decisão de encerrar era “irreversível” e apelou a que fosse criada uma situação de exceção que permitisse a continuidade. Uma situação a que o ministro da tutela não voltou as costas, alertando no entanto para o facto de a Cornucópia já gozar de um caráter de exceção que, por exemplo, leva a que seja o ministério a pagar a sua renda. “Surgiu um tema que se prende com a questão de um estatuto de excepção para o Teatro da Cornucópia, capaz, talvez, de viabilizar a sua continuidade. Surgiu o equívoco de que poderíamos mudar de opinião. O que levou o Senhor Ministro da Cultura, também presente, a admitir que o tivéssemos feito. E parece não se ter restabelecido a única versão correcta que existe, porque infelizmente a dúvida já não se põe: o Teatro da Cornucópia acaba no princípio do ano, na realidade já acabou. Com a mudança do Governo, a situação não se alterou.” Ainda assim, a mera possibilidade deste precedente tem levado, nos últimos dois dias, inúmeros diretores de companhias de teatro do país a mostrar a sua indignação. A isto a Cornucópia refere neste comunicado que são “provavelmente exceção”.

Além nisto, neste comunicado, a direção da Cornucópia afirma ainda que não só a decisão de encerrar a companhia é irreversível, como já tinha sido tomada há muito. “Quando essas mesmas verbas atribuídas para financiamento das estruturas sofreram sucessivos cortes e tendo elas há três anos chegado a um valor visivelmente insuficiente, vimo-nos obrigados a rever escolhas de programação e respectivas formas de produção, de modo a sempre viabilizar os nossos projectos. As co-produções bem como alguns apoios pontuais como os da CML e dos Amigos da Cornucópia, contribuíram para a sustentabilidade do funcionamento do Teatro da Cornucópia. Antes do cumprimento do último ano do quadriénio a que estávamos vinculados, considerámos já a possibilidade de o não praticar, por considerar que era já difícil o seu pleno cumprimento. Mas insistimos em continuar. A evidência, porém, da situação limite das nossas possibilidades de assegurar, neste quadro de financiamento, o cumprimento de novos projectos e tal como dissemos na divulgação do espectáculo apresentado neste último sábado, considerámos como incontornável o fecho da empresa Teatro da Cornucópia”, pode ler-se num texto assinado por Luís Miguel Cintra e Cristina Reis.

A dupla esclarece ainda que esta decisão já tinha sido comunicada à tutela, e que a única preocupação agora se prende com a CASA, edifício onde a companhia sempre trabalhou, e que Cintra agora apela para que seja “aproveitado para fins culturais, não deixando que venha a constituir somente um valor capaz de colmatar indemnizações aos trabalhadores, a única dívida que a empresa que se extingue não tem porventura capacidade de resolver.” O ministério já garantiu o pagamento da renda por mais um ano.