A direita tem de perder a vergonha

Se uma senhora com um corte de cabelo ponta a baixo, ponta acima, e um trapo enrolado ao pescoço, começar a falar sobre as carências na habitação, eu já sei antecipadamente o que vai dizer. Vai dizer que é preciso que o Estado construa imediatamente uma bela casa nova para cada pessoa que diga que…

Do mesmo modo que, se for uma senhora com o cabelo armado, com duas fiadas de pérolas no pescoço e um anel no dedo mindinho, com pronúncia de Cascais, também já sei o que vai dizer. Vai dizer que o problema das casas é uma questão de fé e que, com caridade, o problema resolve-se. 

Acabei de pintar os estereótipos de uma pessoa de esquerda e de direita, com as suas respostas prontas e estereotipadas para o problema da habitação. A esquerda faz-se de crédula. A direita faz-se de cega. 

Esteve cá uma senhora da ONU de visita, e como tinha o cabelo cortado à tesourada e um trapo enrolado ao pescoço, estão mesmo a adivinhar o que ela disse. Que era uma miséria, especialmente nos bairros dos municípios de Loures, sendo urgente que o Estado central e os municípios desatassem a construir casas. Ato contínuo, o Governo veio admitir novo programa de realojamento em 2017. 

Apetecia mandar esta senhora advogada canadiana da ONU, Leilani Farha, passar a quadra festiva com o Sr. Shäuble, para se elucidarem mutuamente. Talvez um ensinasse ao outro as causas de certos problemas. E vice-versa. 

Não há um problema de habitação social, ou de habitação, ou de rendas, ou de alojamento local ou de turismo em Freixo de Espada à Cinta ou na Ilha do Pico, sem querer apoucar estes lugares. Mas há um problema grave de habitação, de rendas, de reabilitação, de imobiliário e de habitação social em Lisboa. 

Nós sabemos o que aconteceu ao país, e sobretudo nesta grande área metropolitana. O problema da habitação é generalizado. Foram décadas de rendas congeladas com o património imobiliário a degradar-se. Foram também, pelo menos, duas décadas a construir prédios e cidades-dormitório. O resultado foram famílias endividadas a comprar casa, o país hipotecado, os bancos arruinados, e, neste momento – estima-se -, cerca de um milhão de casas vazias. 

Isto sucede porque a força de atração da capital é enorme. As pessoas querem viver aqui, porque sabem que há mais emprego, melhores salários, mais oportunidades. Querem permanecer custe o que custar. A quem custar.

A habitação, e especialmente a habitação social, tornou-se um mercado (há sempre gente interessada numa casa), uma indústria (os construtores e os bancos à espreita) e uma bandeira eleitoral para a esquerda – a qual tomou conta do assunto e faz dele promessa de campanha, colocando-o no domínio do politicamente correto. 

Ora, a direita tem de começar a não ter medo de dizer coisas básicas ou de fazer perguntas simples. Por exemplo: que sentido faz construir mais casas quando há um milhão de casas vazias? Ou: quanto é que custa construir mais habitação social e quem a vai pagar? 

Como dizia a outra, a direita vai ter de perder a vergonha.