Viver para contar: A história por contar

Na história de Pedro Dias, há muitas coisas por explicar: para isso,é pegar nas pontas soltas e encontrar o fio que as una

É uma história muito mal contada. Quanto mais se sabe sobre a fuga de Pedro Dias e os seus crimes, mais perguntas ocorrem. E mais dúvidas se levantam.

Comecemos pelo princípio. 

1. O que estava Pedro Dias a fazer num descampado às 3h00 da madrugada? Ninguém explicou. Mas a sua presença ali teria com certeza um motivo.

2. Admitamos que a chegada da GNR foi acidental. Que os guardas estavam numa patrulha de rotina, viram um carro parado com um homem dentro, estranharam e interpelaram-no. Depois pediram-lhe a carta de condução e o livrete, e um dos guardas foi ao carro–patrulha solicitar à central informações sobre o fulano. Responderam-lhe que era um indivíduo perigoso e que costumava andar armado. E isto foi apresentado como explicação para Pedro Dias lhe dar um tiro na cabeça.

Ora, não faz sentido nenhum. Se da central tivessem dito: «O indivíduo tem um mandado de captura, prendam-no, e se for necessário disparem!», ainda se podia perceber. Agora a informação de que era ‘perigoso’ levá-lo-ia, sem mais nada, a matar um guarda?

3. Na semana passada, o SOL publicou uma notícia segundo a qual Pedro Dias disse pelo telefone que tinha «produtos ilegais» na sua posse quando foi interpelado pelos guardas no descampado, e que estes nem o haviam multado. A que ‘produtos’ se referia? À arma que trazia consigo? Normalmente uma arma não é referida como ‘produto’… E isto poderá ajudar a explicar a sua presença ali àquela hora. 

4. Pedro Dias pensava que tinha morto todas as testemunhas e estava tranquilo. Mas foram 7 telefonemas de guardas da GNR que o alertaram para o facto de estar a ser perseguido, levando-o a pôr-se em fuga. Felícia Cabrita, na notícia do SOL, diz que os guardas lhe ligaram «ingenuamente». Será? Acredito que sim. O certo é que foram esses telefonemas que o levaram a fugir. Podemos, pois, interpretá-los de todas as maneiras. Nenhuma hipótese deve deixar de ser colocada. 

5. O GNR que sobreviveu tem atualmente a casa guardada por dois colegas. Porquê? Se Pedro Dias agiu sozinho, como se diz, não faz sentido o guarda estar sob proteção. Isso mostra que as autoridades pensam que há outras pessoas envolvidas no caso, e que poderão estar interessadas em liquidar o guarda ou entrar em contacto com ele.

COMO se vê, há muitos buracos nesta história. Há que saber o que estava Pedro Dias a fazer naquele local ermo – isto é fundamental para se perceber o resto. Há que saber por que apareceu ali a patrulha – e a razão que levou Pedro Dias a alvejar um dos guardas. Havia algum segredo que ele soubesse e que Pedro Dias queria ocultar? Haveria alguma relação entre Pedro Dias e aquele guarda (ou mesmo os dois)? E qual? Tratar-se-ia de uma chantagem ou de um negócio ilícito?

Há ainda que saber a que «produtos ilegais» se referia Pedro Dias na conversa telefónica. Pode estar aqui a chave do enigma.

Os sete telefonemas que elementos da GNR fizeram para Pedro Dias também carecem de ser melhor explicados. Tratou-se de uma descoordenação total? O graduado que comandou a operação não deu instruções aos guardas e eles agiram por conta própria? Começaram todos a ligar para Pedro Dias com que objetivo? Convenhamos que é muito estranho. 

Alguém na GNR teria ficado aflito quando soube o que tinha acontecido com Pedro Dias e que este estava a ser procurado? Quiseram alertá-lo de que iria ser preso? A verdade é que foram estes telefonemas que o puseram em fuga, escapando naquela altura à prisão. Este é o facto.

E a proteção ao guarda sobrevivente também não deixa de causar a maior perplexidade. Até hoje nenhuma notícia foi tornada pública sobre a possível existência de mais pessoas envolvidas nesta história. Ora, estando Pedro Dias preso, o perigo para terceiros teria acabado. 

Mas o juiz não pensa assim. O juiz entende que o GNR sobrevivente corre perigo – e por isso o protege. O que significa que, para autoridades, há outros suspeitos à solta. 

E haverá alguma relação entre estes suspeitos e a presença de Pedro Dias naquele descampado àquela hora? E terá também que ver com o assassínio do GNR? E com os posteriores telefonemas de outros guardas?

Repito: há aqui muitas coisas ainda por explicar. Tudo leva a crer que há uma história por detrás disto que ainda não foi contada. Para o fazer, é pegar nas pontas soltas e encontrar o fio que as una. 

Verdadeiramente, nesta tragédia só há três factos que ‘fazem sentido’: o tiro que Pedro Dias deu no guarda que acabaria por sobreviver e dois tiros no casal a quem roubou o carro na estrada. Estes atos bárbaros tinham uma ‘lógica’: não deixar testemunhas. Para outros, porém, é preciso descobrir melhores explicações do que aquelas que têm sido dadas.