Mudar de vida. De sedentário a maratonista, dos 120 aos 65 quilos

Mudar de vida pode vir de algo tão simples como começar a correr ou a comer de forma saudável. O i foi conhecer casos de quem mudou de hábitos para, assim, mudar de vida

Não é preciso saltar de paraquedas nem subir ao topo do Everest. As mudanças de vida podem começar por coisas tão simples como amanhã pegar nas sapatilhas que estão guardadas no armário e dar-lhes uso numa corrida, mais que não seja, de um quilómetro. Ou então, passar a trocar os croissants do lanche por pão integral ou as torradas por fruta ou iogurte. Foi isso que fizeram o José e a Sara, quando um dia acordaram e decidiram que o dia-a-dia pouco saudável não podia continuar igual. Já Cátia decidiu cumprir um desejo antigo de contribuir para o bem-estar dos outros e enviou uma candidatura para uma associação de apoio a sem-abrigo. Hoje está à frente da comunicação do ‘CASA’ e continua a ocupar os sábados com as rondas no centro de Lisboa. E para quem, pelo contrário, precisa de relativizar a atividade do quotidiano, pelo menos a mental, a experiência da Maria João diz que a meditar pode ser a solução.

Trabalhava dez horas por dia no setor da banca, os almoços e jantares eram à base de sandes, engolidas à pressa com a ajuda de refrigerantes ou álcool. Numa altura em que não havia tempo livre para quase nada, o desporto era a última coisa com a qual José pensava ocupar o seu pouco tempo livre.

Apesar de forçado, esse tempo livre acabou por chegar em forma de despedimento em 2010. “Além de ter ficado sem emprego, foi o ano da morte da minha mãe, estava muito desmotivado”, conta ao i. Ainda hoje não sabe explicar como nem porquê, mas numa manhã igual a todas as outras, olhou para os ténis que tinha no armário, calçou-os e começou a correr: “Nessa primeira vez fiz a praia de Carcavelos, mais ou menos um quilómetro”. Apesar de curtos, foram esses mil metros que fizeram a diferença na vida de José. Mesmo tendo sentido “um cansaço como nunca tinha imaginado poder sentir”, no dia seguinte voltou, e voltou depois. E na semana seguinte, e quase todos os dias até hoje. “Atualmente posso dizer que, com o treino certo, posso correr aquilo que eu quiser”, refere, sem hesitar.

Maratonas já foram duas, perdeu a conta às corridas de dez quilómetros, até porque agora os objetivos são outros. Depois de ter corrido duas vezes os 170 quilómetros do Ultra Trail du Mont-Blanc, nos Alpes, prepara-se para participar no seu primeiro Iron Man, prova que junta 42 quilómetros de corrida, 3,8 de natação e 180 quilómetros de ciclismo. Não o faz para ganhar prémios, garante, mas para se superar a si mesmo. “Na corrida, trabalho por objetivos estipulados por mim e tento levar isso para a minha vida pessoal e profissional”, explica. Hoje, além de ter mudado de carreira para se dedicar ao marketing, dá treinos de corrida, para os quais a motivação é essencial e tão importante como a força física, “que, atenção, também se treina”.

Em Valpaços, onde nasceu, não há pessoas a dormir na rua, não porque não haja pobreza, mas porque em sítios pequenos, a entreajuda não deixa que isso aconteça. Daí que não lhe passassem despercebidos os sem-abrigo com os quais se cruzava diariamente quando veio estudar para Lisboa.

Apesar da vontade de ajudar lhe ser intrínseca, foi adiando o projeto durante os anos de faculdade até ao dia em que escreveu no Google “Centro Apoio Sem-abrigo”. Só teve que esperar uns dias pela resposta da associação CASA e, desde aí, que os seus sábados, de 15 em 15 dias, são ocupados a ajudar os sem-abrigo da cidade.

Preparam entre 300 a 400 refeições para depois se dividirem por diferentes zonas. Cátia percorre Saldanha, Avenida da Liberdade e Restauradores e, mais do que dar comida, dá conversa. “Para mim não faz sentido de outra maneira. Gosto de conversar, de saber as histórias das pessoas”. Assume o voluntariado como “uma missão” e é por isso que os amigos já sabem que quando falta a jantares cafés ou copos, é porque está no CASA. “Isto é quase um ato de egoísmo porque me dá um bem-estar enorme. Dar é uma sensação de conforto enorme, mais até do que receber”, explica.

Em vez de poupar ou gastar o dinheiro em roupa, Sara decidiu investir o que tinha amealhado quando fez 20 anos para investir em si. “Acordei um dia e disse: vou inscrever-me no ginásio. Agora é que é”. O “agora é que é” dá-se depois de um passado de dietas falhadas e de um ponteiro da balança já muito próximo dos 120 quilos. “Estava pré-diabética e já há muito tempo que não me sentia bem com o que via ao espelho”.

Na altura com 20 anos, Sara era totalmente sedentária e comia sem olhar a quantidades. “Repetia o prato da refeição umas três ou quatro vezes. Comia até me sentir saciada”, conta ao i. Como duas coisas que inevitavelmente se conjugam, ao click do ginásio, juntaram-se vários clicks quanto à alimentação”. Trocou a torrada com manteiga e o café com leite de pequeno-almoço por pão integral com queijo fresco, fruta e iogurte. Os lanches feitos de croissants, bolos e bolachas de chocolate passaram a fruta, iogurte e bolos que aprendeu a fazer de forma saudável. Já nas refeições principais, houve um corte nos hidratos na altura do emagrecimento e uma diminuição drástica da quantidade.

O esforço compensou e Sara já teve que ser duas vezes operada para tirar as peles em excesso que lhe ficaram da passagem dos 120 quilos para os atuais 65. “Eu disse que só ficava contente quando visse o numero seis como o primeiro da balança e consegui”. Não esconde o orgulho da mudança nos seus perfis de Facebook e Instagram, onde são comuns as fotos do antes e do depois.

“Dantes toda a gente olhava para mim na rua. Agora passo despercebida. Prefiro assim”, garante. E até na vida profissional esta mudança física trouxe novidades. “Quando há dois anos entreguei mil currículos em lojas, não fui chamada uma única vez e, apesar de nunca me terem dito, sabia que era pela minha aparência”. Numa mais recente ronda de procura de emprego, não tardou a ser contratada e dá agora a cara por uma loja de acessórios.

Com o fim de um relacionamento de oito anos, Maria João começou a sentir ataques de ansiedade que já não conseguia controlar sozinha. Procurou a ajuda de uma psicóloga e, durante as sessões, focou-se no controlo da respiração, de modo a evitar novos picos de stresse.

Quando o trabalho a obrigou a mudar-se de Braga para a Madeira, ia perder contacto direto com a família, mas também com a psicóloga que lhe tinha sido essencial na recuperação. A solução veio através de consultas via Skype e tutoriais de Youtube. “Percebi que tinha de aprender a meditar sozinha e fui para a internet pesquisar como se fazia”, conta.

Começou por praticar deitada, mas adormecia poucos minutos depois. Decidiu então experimentar sentada no sofá e funcionou. “Mas é muito difícil”, avisa: “Numa hora de meditação conseguia estar no máximo 15 minutos sem pensar em rigorosamente nada”. Para criar ambiente, acendia velas, punha música de relaxamento e a terapia passou a funcionar tão bem como quando fazia este tipo de exercícios no consultório da psicóloga. “Toda a gente me notava mais calma e, de facto, passei a sentir-me muito mais tranquila e em paz”, explica. Essa é uma sensação que se prolonga no tempo e, apesar de agora já não meditar com tanta frequência, nota repercussões no dia-a-dia. “No trabalho, por exemplo, dá imenso jeito para quem, como eu, tem que gerir equipas e lidar diretamente com pessoas”.