O despacho e a cruz

Marcelo Rebelo de Sousa promulgou num relâmpago o Orçamento de Estado para 2017. O diploma, mal entrou em Belém, foi a despacho e seguiu diretamente para a Casa da Moeda, para ir ao prelo e publicar em próximo Diário da República.

A rapidez na promulgação foi aplaudida de imediato pelo PS, BE e PCP, regozijando-se todos pelo comprometimento do Presidente da República e por mais este sinal de Marcelo Rebelo de Sousa de inequívoco apoio à acção do Governo de António Costa. 

O que é um equívoco.

Neste caso, o Presidente fez o que não podia deixar de fazer, comprometendo-se o menos possível com a proposta do Governo e seus parceiros da maioria parlamentar. 

E a melhor forma que Marcelo poderia encontrar para manifestar as suas reservas ao que aí vem era mesmo despachar o Orçamento de Estado assim como quem assina de cruz, sem sequer ler o que está a assinar.

 

Marcelo não chamou o diabo, nem Belchior,  Baltasar e Gaspar. Mas a breve alocução ao país para solenemente anunciar a promulgação daquele documento estratégico para a nação fica como apostilha para o futuro e para salvaguarda de quem passa um cheque em branco ao Governo, mas traçado pelo visto prévio de Bruxelas e pela chancela do Parlamento.

Tirando o tom, descontraído e até confiante, no mais Marcelo sintetizou em conciso e acertivo discurso as magnas questões a que Portugal – que é como quem diz António Costa e seus ministros mais os parceiros que os sustentam – vai ter que dar resposta em 2017. 

Com todas as dúvidas da Oposição e mais as incertezas ou incógnitas da evolução internacional, seja no seio da União Europeia ou no resto do mundo.

Marcelo realçou uma vez mais que a estabilidade política e a paz social são essenciais para o cumprimento das metas propostas.

O rigor da execução orçamental, o crescimento económico e a capacidade para incrementar o setor das exportações e para atrair investimento são os grandes desafios que o Presidente não deixou de apontar. Para além do outro, mais urgente e decisivo: a consolidação da banca e do sistema financeiro. 

Porque aqui é que está o busílis.

A recapitalização da Caixa Geral de Depósitos – agora que parece enfim terminado o folhetim da dança de cadeiras na Administração -, o processo de venda do Novo Banco – que derrapou para Janeiro -, bem como a consolidação acionista no Millennium bcp e no BPI e o plano de reconversão do Montepio serão determinantes para o futuro de um setor vital para a tal «esperança» de que fala Marcelo.

Na promulgação supersónica do Orçamento para 2017, Marcelo revelou toda a sua mestria e habilidade política. 

Curiosamente, escassos dias após ter cometido, provavelmente, a sua maior gafe ou inabilidade política desde que entrou no Palácio de Belém: o artístico número falhado na peça de fecho do Teatro da Cornucópia.

Aí, o Presidente espalhou-se ao comprido, ao querer demonstrar todo o afeto por Luís Miguel Cintra e sua companhia.

Marcelo chamou à cena o ministro da Cultura e ensaiou uma tentativa de salvação da Cornucópia que, sem emenda, foi pior que o soneto.

E ainda viu Jorge de Silva Melo vir vilipendiá-lo publicamente. 

Silva Melo foi mal educado e indelicado com o bem intencionado, embora no caso totalmente ineficaz, Presidente. Chamou-lhe «mentiroso» por ter dito que marcara presença na estreia da primeira peça da companhia, em 1973.

Se Marcelo o disse foi com carinho e com a inocência de quem sabe que passaram mais de 40 anos, julgando que ninguém cuidaria de ir confirmar se ele realmente fora ou não assistir à dita estreia.

Pois não é que apareceu mesmo Silva Melo a dizer que foi ele quem controlou os bilhetes e os convites e que Marcelo não constava da lista? 

Ora, se Silva Melo conhece Marcelo, sabe que, embora podendo ser verdade que possa ter recorrido a uma inverdade, igualmente é bem capaz de entrar de penetra ou fazer-se convidado mesmo onde não é chamado. 

Em 1973 como agora, porque foi esse precisamente o método que utilizou para entrar na peça de encerramento da Cornucópia e fazer aquele número.

Em italiano, portoghesi é sinónimo de borlista ou penetra. E Marcelo é, hoje, o primeiro representante do Estado e do Povo português.

As palavras de Marcelo de esperança no ano que aí vem são as de todos os portugueses de bem. As reservas e preocupações com os desafios que teremos de enfrentar também.

Sem teatros.

Em época natalícia, ficam os votos para que Passos não tenha razão em relação às oferendas que nos trarão os Reis Magos e que a única cruz que nos esteja reservada para 2017 seja a da assinatura de Marcelo no Orçamento de Costa. 

Boas Festas!