Quando se diz tecnocraticamente que o aumento da esperança média de vida pressiona a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde, costumo pensar que pressiona também os amores e as famílias.
Quando nos divorciamos, aos quarenta ou aos cinquenta, já ninguém pensa que está com os pés para a cova, quanto mais morto e enterrado. Um divórcio é duro, é difícil, uma comunhão desfeita, partilhas materiais e emocionais por fazer, filhos confusos e perdidos, situações que muitas vezes acabam nos tribunais – e a que nem sequer estes conseguem dar resposta. Sentem-se todas as emoções: da perplexidade à revolta, passando pela solidão e pelo medo. Medo de não se ser capaz, medo de não se ser suficientemente bom, medo de não voltar a ser amado, medo de ficar sozinho.
Com o tempo, faz-se o luto. Foi um casamento que morreu, mas a vida continua. Um dia conhece-se alguém, cai-se de amores. Esquecem-se as ruínas do casamento anterior, o sofrimento, o medo (qual medo? Não há medo nenhum), sentem-se borboletas no estômago, um nó na garganta, um aperto no coração. Já somos um bocado velhos por fora, mas sentimo-nos com quinze anos por dentro.
Daí a nada juntam-se os trapos, com um casamento formal ou sem ele. Cada uma destas pessoas traz os seus filhos para a nova relação. Os meus, os teus. Às vezes ainda se acrescentam ‘os nossos’.
Cheio de amor e esperança, o novo casal acha que esta segunda união vai ser igual à primeira, mas em bom. Que desta vez vai correr bem. É claro que a segunda união não é nada igual à primeira. Da segunda vez há um passado e há alteridade. O passado é duplo: é o nosso e o do parceiro. É arma de arremesso, é boomerang, e vem à baila quando menos se espera. A alteridade são os outros. O ex-marido, a ex-mulher e as inefáveis comparações.
Só há uma oportunidade para se ser inocente, aproveitem-na bem. A maior lição de vida que se tira de uma segunda união é que não há segunda oportunidade para se ser inocente. Da segunda vez, só há sucesso se houver maturidade.
Nesta matéria, não há diferença nenhuma entre esquerda e direita. Já quase todos nós vivemos assim, a reconstruir famílias, com filhos negociados no Natal e no fim-de-ano, com meus, teus, nossos, às vezes até sozinhos, vítimas de ex-cônjuges belicosos ou sendo nós os carrascos.
Quando digo que não há diferença entre pessoas de esquerda e direita nos amores é porque a busca da felicidade é intrínseca ao ser humano, a esperança é a mesma e a vontade de acreditar é indómita. Desafia a lógica, a racionalidade, desafia a dor e o medo.
Viver mais tempo pesa nas contas da Segurança Social e nas contas do SNS, mas pesa sobretudo nos nossos afetos, na forma como vivemos e nos organizamos nessa célula base, nessa instituição que é a família.
Para todas as famílias portuguesas – das mais tradicionais às muito, muito, modernas – votos de um Santo Natal.