Viver para contar. Facilitar o treino?

No 25 de novembro de 1975 os portugueses puderam ver a importância de Portugal dispor de um grupo militar de elite

O tema já fez correr rios de tinta. Num curso de Comandos, dois militares morreram e outros ficaram em situação crítica. E é sempre muito difícil escrever objetivamente sobre um tema quando há mortes. Por todas as razões – e porque os familiares dos que morreram estão profundamente feridos e não se lhes pode pedir que aceitem análises serenas e objetivas. Quando escrevi sobre as mortes no Meco, recebi uma carta indignada do familiar de uma das vítimas. E respeitei a sua indignação. Mas quem escreve na imprensa tem obrigação de escrever o que pensa – e não pode deixar-se levar pela emoção. 

Não foi por acaso que falei no Meco. Há algum paralelo entre as mortes que ali ocorreram e as mortes nos Comandos. Num caso e noutro as vítimas eram pessoas adultas, responsáveis, que agiram livremente. Uns foram para a praia porque quiseram, outros foram para os Comandos por opção. Ninguém os obrigou.

Também nos dois casos os jovens obedeciam a um chefe. A diferença é que, em ambiente militar, a ordem do chefe tem mais força. E pode dar-se o caso de os dois chefes terem abusado da sua autoridade. 

A magistrada do MP que investigou o caso dos Comandos acha que sim e falou mesmo de um «ódio patológico» do responsável pela instrução. Mas ódio porquê e a quem? Não se percebe. O que pode ter havido foi algum sadismo, algum prazer em fazer os instruendos sofrer, em ir além do estipulado. E se aconteceu isso, há que punir severamente quem transgrediu, até porque pode falar-se em homicídio involuntário. 

Por seu lado, o comandante do regimento de Comandos, coronel Dores Moreira, declarou o seguinte: «Se pretendemos maior exigência na instrução, é para que não haja mortes em teatros de operações. E, portanto, uma morte em instrução é uma coisa mais difícil de aceitar». 

Com o devido respeito, a afirmação carece de lógica. Para que não haja mortes em teatro de operações, a instrução tem de ser exigentíssima – e numa instrução feita nos limites pode sempre haver percalços. O que teria lógica seria dizer o contrário: uma morte na instrução pode salvar muitas vidas em teatro de operações. Mas isso seria justificar as mortes. E não era possível fazê-lo neste ambiente.

Mas atenção: uma coisa é concluir que houve eventualmente abuso de autoridade dos instrutores, outra é pôr em causa a exigência do treino. 

É evidente que o treino tem de simular situações que os militares vão enfrentar na realidade. Ora, quando se diz – como se tem dito – que em virtude da tragédia o plano de treinos vai ser revisto, isso deve ser visto com preocupação. Facilidades no treino podem custar muitas baixas em teatro de operações. 

Pese embora as questões humanas envolvidas, não podemos entrar em paranoia com o que aconteceu no curso 127. Uma coisa é a exigência do treino, e outra, diferente, é aquilo que correu mal. O treino não deve deixar de ser exigente – os abusos devem ser punidos.

E mesmo aqui há que ter atenção: uma condenação apressada e pouco ponderada do comportamento dos instrutores pode conduzir no futuro a um menor rigor. O receio de novos problemas pode proporcionar algum facilitismo.

Claro que os setores e os partidos não militaristas aproveitam estas situações para porem a cabeça de fora e darem largas ao seu antimilitarismo. 

Achando que a tropa não faz falta nenhuma, que pode perfeitamente acabar, não perdem oportunidades como esta para criticarem tudo: a instrução, os métodos, a existência de tropas como os Comandos, etc. Mas quem acha que as Forças Armadas fazem falta não pode ter a mesma atitude. 

Aliás, no 25 de Novembro de 1975, os portugueses puderam ver a importância dos Comandos da Amadora. 

Os paraquedistas de Tancos, também considerados tropas especiais, revelaram-se um tigre de papel. E os Comandos do coronel Jaime Neves impuseram-se com enorme facilidade, neutralizando uma revolta esquerdista que podia ter lançado o país numa guerra civil. Aí ficou à vista de todos o que era uma tropa bem preparada – e outra que tinha a disciplina minada por slogans revolucionários. 

Portugal deve ter uma tropa de elite, e isso exige um treino duro. E quanto mais duro for o treino, menos serão as baixas em cenário de guerra. Punam-se os abusos, mas não se diminua a exigência da preparação.