Um ano de leituras. O melhor e o pior que li em 2016

Poucos mas bons. Poderia definir assim o conjunto de livros que li ao longo do ano. Ainda assim, também houve uma decepção – os fãs de Herman Hesse que me perdoem

Estimo que a minha biblioteca tenha engordado, ao longo de 2016, entre 150 e 200 volumes. Uma vez que durante o ano terei lido, do princípio ao fim, apenas uns 17 ou 18 – em todo o caso menos de vinte –, a proporção entre livros adquiridos e lidos fica no registo bastante pobre de um para dez.

O primeiro que figura nos meus registos (terminado a 31 de janeiro de 2016) é “Eu não venho fazer um discurso” (D. Quixote), uma compilação de 21 discursos de Gabriel Garcia Márquez que me deu imenso prazer ler. Tem passagens absolutamente memoráveis, como aquela em que o Nobel colombiano descreve uma viagem com Carlos Fuentes e Julio Cortázar, e em que este, a propósito de uma pergunta ocasional, dá aos amigos uma magistral e inesperada lição de história do jazz.

Outra leitura que me proporcionou um enorme prazer foi a de “Moby Dick” (tradução de Alfredo Margarido e Daniel Gonçalves, da Relógio d’Água), obra que há alguns anos – numa outra versão, que me fora oferecida pelo meu avô paterno – me aborrecera de morte. Recebi-o no Natal do ano passado e peguei nele sem demora, ficando de imediato refém do seu estranho encanto. Mais do que a história contada, e que eu já conhecia de cor, fascinaram-me a qualidade literária, o alcance poético e a profundidade humana do texto de Melville, que justificam plenamente o seu estatuto de obra de culto.Ainda na senda deste fascínio, espero em 2017 ter oportunidade de ler “Leviatã – Em Busca dos Gigantes dos Mares”, um ensaio muito pessoal de Philip Hoare sobre a sua paixão pelas baleias, com uma incursão pela história da pesca da baleia e o que representam, a nível simbólico, estes animais.

No sentido inverso, a grande desilusão do ano – e perdoem-me os fãs desta obra ou do seu autor – foi para mim “Narciso e Goldmund”, de Herman Hesse. A história do monge e do seu discípulo que depois envereda por uma vida aventureira simplesmente não me convenceu, parecendo-me esquemática, ingénua, doutrinária e não especialmente bem escrita.
Já no campo das boas surpresas destacaria “Guia de um Astronauta para Viver Bem na Terra”. O relato do coronel Chris Hadfield sobre a formação de um astronauta, a viagem no vaivém e o dia-a-dia na estação espacial internacional revelou-se uma das leituras mais instrutivas do ano. Ensinou-me muitos factos curiosos sobre a conquista espacial e devolveu-me o respeito reverencial pelos astronautas que eu tinha na infância, mas que por alguma razão se desvaneceu à medida que fui crescendo.

O livro que mais me impressionou em 2016 foi, contudo, “Sussurros – A Vida Privada na Rússia de Estaline”, do historiador britânico Orlando Figes, editado em Portugal pela Alêtheia em 2010. Já tinha lido alguma coisa sobre o Gulag e a Rússia de Estaline, mas nada parecido. Trata-se de um documento esmagador sobre o que o regime comunista fez às pessoas comuns na União Soviética, sobre como triturou milhares de vidas, moldou mentalidades, redefiniu as relações entre familiares e influenciou a arquitetura e até a paisagem da URSS. “Sussurros”, que é tecido com depoimentos comoventes de quem experimentou na pele esta realidade,pertence a um género de livro com cultores como Ryszard Kapuscinski e Svetlana Alexievitch – o da obra coletiva, em que o autor é apenas o “maestro” de um coro de vozes de figuras mais ou menos anónimas. E Figes merece ser colocado lado a lado com autores tão distintos.

No ano que começa já amanhã celebra-se o centenário da Revolução Russa de 1917, o acontecimento que deu início a essa grande aventura que acabaria por transformar-se em tragédia para tantos milhões de pessoas. É precisamente esse o título de outra obra de Orlando Figes: “A People’s Tragedy – The Russian Revolution 1891-1924”. O livro, que ainda não está traduzido para português, venceu, entre outros, o importante Wolfson History Prize, e é um dos que espero poder ler em 2017.