“Afecto”

«Afe(c)to» – Algo por que tanto ansiamos, desde o afeto dos nossos pais ao dos nossos amigos, passando, ainda, pelo dos professores, dos colegas, dos filhos, netos, namorados, maridos, mulheres e, mesmo, das pessoas com quem nos cruzamos.

 É o afeto que dá sentido a tudo o que fazemos, por ser uma demonstração dos nossos sentimentos positivos, da interação que estabelecemos com os outros.

E o que é curioso nesta palavra pintada na parede é o facto de a letra «C» estar a cair da palavra, como que empurrada por um acordo ortográfico que dela se liberta por dela já não necessitar, numa curiosa demonstração de falta de «afecto» por todos os «C» inúteis…

Mas, numa formulação matemática, quem de «afectos» «C» tira, o que fica? Fica apenas «afeto», uma palavra escrita de forma diferente, à qual ainda parece que falta qualquer coisa… No entanto, o sentimento, esse, não muda!

Segundo estudos científicos realizados, o tamanho do cérebro, nomeadamente o hipocampo, cresce duas vezes mais depressa em crianças cujas mães demonstram o seu afeto pelos filhos, de forma terna e segura.

São efetivamente os afetos que nos tornam humanos, porque nos ligam aos outros, porque dão sentido ao que sentimos e estabelecem uma certa coerência naquilo que sentimos e pensamos. São os afetos – demonstrados ou não, mas sobretudo quando demonstrados – que suavizam o peso dos dias, tantas vezes percorridos a correr, numa espécie de peregrinação, sem sentido, pelo tempo.

E, assim, são também os afetos que «amarram» o Homem aos outros, que o levam a preocupar-se com o que sentem e como se sentem.

Como escreveu Miguel Torga: «Também tenho afetos. E a trama de deveres e apegos, embora redima um homem do seu egoísmo nativo, rouba-lhe força criadora». Muitas vezes, a força criadora vem da solidão, da independência com que se vive em relação aos que vivem em redor, da capacidade de o artista se isolar para conseguir criar.

Mas, sem afetos, também se torna difícil conseguir «material» suficiente para criar, porque os afetos são uma espécie de «herança divina», uma condição fundamental e a única forma de o Homem viver com os outros e consigo mesmo, num mundo onde, por vezes, falta a tolerância, a mansidão e a ternura e onde, por vezes, tropeçamos nos nossos próprios sentimentos.

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services