EUA. Os últimos dias do Obamacare?

A batalha pelo destino do sistema de saúde americano começou ontem. Obama quer lutar pelo seu programa, mas os republicanos prometem desmantelá-lo e substituí-lo, mesmo sem terem alternativas

Há muito que os congressistas republicanos querem esventrar o projeto-chave da presidência de Barack Obama, o sistema de cuidados de saúde que hoje garante proteção a mais de 20 milhões de norte-americanos e que de tal forma se tornou sinónimo da herança do atual presidente que lhe ficou com parte do nome. Ao longo dos seus quase sete anos de existência, o Obamacare – ou o Affordable Care Act – sobreviveu a duas idas ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos e a mais de 60 moções da maioria republicana destinadas a anulá-lo ou a alterar partes cruciais do seu mecanismo. A máxima instância jurídica no país decidiu das duas vezes que o programa é constitucional. Os vetos de Barack Obama preservaram-no até hoje.

Não durará muito mais tempo. O sistema dificilmente sobreviverá ao novo tabuleiro do poder americano. Donald Trump promete fazer na Casa Branca o que os republicanos no Congresso tentam há sete anos: eliminar grande parte do Obamacare e substituí-lo por um novo programa que não force planos de saúde aos consumidores, se sustente mais mais na competição de mercado e seja mais barato. Sistema alternativo, ainda não há; os republicanos estão divididos sobre quando devem anular o modelo atual e sobre quanto tempo o devem preservar até o substituírem. Ontem, porém, no mesmo dia em que Barack Obama se reuniu com a liderança democrata no Congresso, tentando acertar uma estratégia comum para a defesa do seu sistema de saúde e mostrando que está disposto a lutar por ele, os republicanos insistiam na sua missão.

“A primeira coisa a fazer será cumprir a promessa de anular o Obamacare e substituí-lo por uma reforma do sistema de saúde que reduza o preço dos seguros de saúde sem fazer crescer o governo”, lançou Mike Pence, o próximo vice–presidente americano, que ontem foi a resposta de Trump à ida de Obama ao Capitólio. Se o presidente que está de saída quis simbolizar que a luta pelo sistema de saúde não está perdida, o presidente que está de entrada deu um sinal de que está pronto para o combate. Ao lado de Pence, o líder da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, prometeu aos jornalistas que o seu partido tem “muitas ideias” para um substituto do Obamacare. Só não as nomeou.

Fim ambíguo

Não há muito que os democratas possam fazer para defenderem o seu sistema, que essencialmente cria um mercado comum onde pessoas com baixos rendimentos podem aceder a seguros de saúde subsidiados pelo Estado – o modelo mais vasto é complexo, cria regras como a de não impedir seguros de saúde a pessoas com doenças crónicas e exige a alguns contribuintes e empresas que comprem seguros, compensando assim parte dos custos dos programas mais baratos. Na terça-feira, dia em que os novos congressistas tomaram posse, os republicanos acionaram um mecanismo de contenção orçamental com que esperam anular o sistema de saúde, eliminando impostos e provisões de despesa. O mecanismo tem o mérito de precisar apenas de uma maioria simples no Senado, precisamente aquilo de que os republicanos dispõem. Sem aliados, os democratas pouco podem fazer para além de protestar.

A esperança liberal reside no facto de os republicanos não terem ainda um modelo alternativo – ou sequer um sistema de transição para as 20 milhões de pessoas asseguradas pelo programa de Obama. A estratégia parece ser, por enquanto, rejeitar o sistema e só mais tarde o substituir. Obama terá dito na reunião de ontem que o principal objetivo para ele é não ajudar os republicanos a chegarem a um programa que, segundo diz, será quase certamente pior do que o que está hoje em vigor – “não os ajudem”, citava-o ontem a CNN, dizendo que o presidente aposta na ideia de que os republicanos não têm boas alternativas e se arriscam a tornar-se o partido que levou os seguros de saúde de 20 milhões de americanos.

Donald Trump não parece ter uma estratégia definida. Mike Pence afirmou ontem que o seu presidente quer recorrer a ordens executivas para desmantelar o programa, como defendeu na campanha – Trump quer manter apenas algumas das medidas mais populares. Mas o próximo presidente escreveu ontem no Twitter que os republicanos deveriam ter “cuidado” e assegurar-se de que “os democratas são culpados pelo desastre Obamacare”, dizendo não que o vai eliminar, mas que o programa vai “ceder sob o seu próprio peso”.