Macau, o maior embaraço da vida política de Soares

O caso do fax de Macau e os negócios da Emaudio foram o elemento mais tóxico da vida política de Soares, usados na campanha da reeleição. O livro de Rui Mateus foi uma bomba.

Macau é um mistério na vida de Mário Soares – e um assunto tabu, de que sempre odiou falar.  As suspeitas de que o financiamento do PS – e das campanhas eleitorais para a Presidência da República – provinham da ‘árvore das patacas’ que caía daquele que foi território português até 1999, foram sempre constantes. Mas provas que ligassem o antigo Presidente da República a financiamentos ilegais provenientes de Macau nunca existiram. 

Na biografia que escreveu sobre Mário Soares, Joaquim Vieira afirma que o então procurador-geral da República, Cunha Rodrigues, perguntou ao já falecido procurador Rodrigues Maximiano – que investigava o caso do fax de Macau –  se haveria «elementos para se ouvir Mário Soares». Rodrigues Maximiano responderia que não. 

Cunha Rodrigues em discurso direto: «Se ele me disse que não havia elementos para ouvir Mário Soares e não conhecendo eu o processo, naturalmente concordei com ele. Não tenho dúvidas que se ele tivesse encontrado elementos teria avançado. Eu só pedi ao dr. Rodrigues Maximiano que trabalhasse com urgência, dado que se aproximava um ato eleitoral [as presidenciais de janeiro de 1991]. A única coisa que fiz relativamente ao processo foi tratar de promover que se contactasse os alemães com prioridade e urgência». 

O caso do fax de Macau leva à queda do Governador do território, Carlos Melancia, grande amigo de Mário Soares, acusado de corrupção – acabaria mais tarde por ser absolvido numa estranha decisão judicial onde foram condenados os corruptores mas não foram descobertos os corrompidos. Melancia é obrigado a demitir-se depois de uma reunião em Belém com o Presidente Soares. Manteve-se em silêncio até muito recentemente quando, numa entrevista para a biografia de Fernando Esteves sobre Jorge Coelho, O Todo-Poderoso, acusa Mário Soares de «traição». Soares sempre elogiaria Carlos Melancia e defenderia a inocência do antigo governador de Macau. Mas Melancia esperava uma manifestação de confiança do Presidente da República que nunca chegou.

Tudo começa – como conta Joaquim Vieira na biografia – quando «por sugestão de [Rui] Mateus, Strecht Monteiro levou os homens da Weidleplan [empresa alemã que se candidatou à construção do novo aeroporto de Macau] a enviarem por telefax a Melancia uma carta exigindo a devolução dos 50 mil contos antes doados à Emaudio, invocando um alegado incumprimento na celebração de um contrato relativo ao aeroporto de Macau. Na ausência de  reação do governador e pressionado pelos alemães, Mateus resolveu então, em fevereiro de 1990, fazer o impensável: entregar uma cópia do fax ao semanário O Independente para divulgação pública». A divulgação acontece quando Soares já se encontra em pré-campanha para a reeleição. Aliás, o assunto vai ser tema de campanha quando o candidato do CDS Basílio Horta acusa Mário Soares de estar envolvido no escândalo. Basílio, num debate na televisão com Mário Soares, acusa-o de ser «o padrinho», no sentido mafioso. Soares escreverá mais tarde, na sua biografia política: «Basílio Horta (…) aproveitou os debates televisivos para atingir a minha idoneidade pessoal. Cortei relações com ele, porque uma tal acusação – feita a uma pessoa que se orgulha de ser impoluta, como eu – não se perdoa. Bastantes anos depois, pediu-me desculpa e fizemos as pazes».

Com Rui Mateus – fundador do PS e envolvido desde o início no escândalo do fax de Macau – nunca haverá pazes. Quando escreveu o livro, desaparecido dos escaparates das livrarias há anos, Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido, Mateus (que foi durante anos o responsável do PS pelas relações internacionais) fez uma declaração de guerra a Mário Soares.                       

No livro, Rui Mateus acusa Soares de estar envolvido no fax de Macau e no financiamento da Emaudio – grupo de comunicação social ligado aos socialistas. «Recebemos instruções de Mário Soares para receber Strecht [Monteiro] e o dinheiro relativo ao aeroporto de Macau. Não estávamos autorizados a receber dinheiro sem ser por ordens de Soares. A Emaudio funcionava com dinheiros da sua campanha e os que ele e Almeida Santos arranjavam». Pouco depois da publicação do livro, Rui Mateus desaparece de circulação – nunca mais deu entrevistas. Vive fora do país. 

Mário Soares acusará Mateus de vingar-se, ao escrever o livro, de lhe ter sido negado o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. Dirá Soares: «Mais grave foi, nessa altura, a ofensiva que fizeram contra mim, vinda da direita extrema, para me comprometerem com o caso da Emaudio (…) Na origem disso  esteve um fundador do PS, de poucas letras mas que falava bem inglês, que conheci em Londres, onde era empregado num restaurante. Depois do 25 de abril regressou a Portugal ocupando-se do departamento internacional do PS. A ambição cegou-o. Pediu-me para ser ministro dos Negócios Estrangeiros. Disse-lhe que não era possível porque não tinha habilitações nem competência para tanto. Ficou ressentido comigo e chegou a escrever um livro – com a ajuda de quem? – que aliás nunca li e alimentou a intriga».