Gripe já levou 82 pessoas aos cuidados intensivos

Espera nas urgências está a reter ambulâncias nos hospitais. Pico pode já ter chegado mas evolução da epidemia não é certa. 

A gripe já obrigou este ano ao internamento de pelo menos 82 pessoas em unidades de cuidados intensivos. Entre estes doentes graves, a maioria idosos com doenças crónicas de base, registaram-se 11 mortes.

Os dados do Instituto Ricardo Jorge revelam que desde o inverno de 2013/2014 não havia tantas pessoas a precisar de cuidados intensivos por causa da gripe. Analisando os balanços do último inverno é possível constatar que há um ano, por esta altura, tinham sido registados apenas 18 internamentos. Há porém um ‘fator de risco’ que se mantém. Dos doentes que foram parar aos cuidados intensivos, apenas 21 (um terço) tinham feito a vacina da gripe, uma cobertura baixa que, apesar dos alertas de prevenção, se continua a verificar todos os anos quando se analisam os internamentos. Idosos e doentes crónicos são dos grupos prioritários para fazer a vacinação, que ajuda a prevenir complicações causadas pelo vírus da gripe como pneumonias secundárias ou descompensação de diabetes ou quadros cardíacos.

Numa altura em que a corrida aos hospitais tem feito disparar o tempo de espera nas urgências nacionais, a análise do Instituto Ricardo Jorge não representa a totalidade dos casos graves registados no país, uma vez a informação resulta de um levantamento que é feito numa rede-sentinela, onde não estão representados todos hospitais portugueses.

Ainda assim, este é um dos indicadores que ajuda os peritos do Instituto Ricardo Jorge e da Direção Geral da Saúde a ter noção da severidade da epidemia da gripe, que tudo indica que este ano deverá repetir o cenário dos piores invernos da última década.

Os dados divulgados pelo Instituto Ricardo Jorge dizem respeito à última semana do ano.

Entre 26 de dezembro (que foi também, até agora, o dia com mais pessoas nas urgências dos hospitais) e 1 de janeiro, tornou a registar-se um excesso de mortes acima do que é o histórico desta altura do ano.

A indicação exata de quantas mortes acima do habitual ocorreram só será feita no balanço final da epidemia, mas o pico verificado na última semana do ano – que fica muito próximo do que se verificou nos invernos de 2011/2012 e 2014/2015 – aponta que frio e gripe poderão vir a ser associados a mais 4000 a 5000 mortes do que seria expectável. No inverno de 2011/2012, o balanço final foi de 4200 mortes acima do histórico e, em 2014/2015, de 5500 mortes acima do que é normal nesta altura do ano. Segundo dados do INE, nos três meses de inverno morrem em média 30 mil pessoas no país.

Ana Paula Rodrigues, coordenadora da rede-sentinela do Instituto Ricardo Jorge, sublinhou ao SOL que para já é cedo para fazer essa projeção. Os peritos também ainda não conseguem confirmar o que parece ser um dado positivo no último balanço do instituto sobre a atividade gripal: nesta última semana avaliada, o número de casos de gripe estabilizou, o que pode significar que já se atingiu o pico que só era esperado na segunda quinzena de janeiro.

Se a tendência de mantiver, a notícia é boa, mas a experiência de anos anteriores e a natureza imprevisível da doença levam os especialistas a ter cautela. No inverno de 2014/2015, também houve uma fase de estabilização da epidemia, mas depois os casos tornaram a aumentar e o pico só chegou semanas mais tarde.

Ambulâncias ‘presas’

Como já vem sendo habitual, e depois de a tutela já ter negado qualquer rutura nos hospitais, do terreno continuam a chegar relatos de forte congestionamento. Fonte hospitalar indicou ao SOL que cada vez há mais situações em que ambulâncias ficam retidas nos hospitais por mais de uma hora enquanto se aguarda que os doentes transportados passem pela triagem e libertem a maca do Instituto Nacional de Emergência Médica ou dos bombeiros, que é necessária para que a viatura volte ao terreno. «Há hospitais onde chegam a estar seis ambulâncias paradas à espera, o que pode comprometer a disponibilidade de meios de socorro», indicou a mesma fonte.

Questionado pelo SOL, o INEM disse não ter conhecimento formal destas situações, reconhecendo, porém, que é algo que acontece «não só nesta altura mais crítica mas ao longo de todo o ano quando há maior afluência às urgências».

Nestas situações, os chefes de equipa de ambulâncias devem transmitir aos chefes de serviço nas urgências a necessidade de libertarem o meio. «A situação é regra geral prontamente resolvida».

O Diário de Notícias avançou, entretanto, que há hospitais que, perante a dificuldade de resposta, já pediram ao 112 para não direcionar para as unidades os encaminhamentos urgentes processados pelos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU).

O Hospital Amadora-Sintra terá sido uma das unidades a ativar esta cláusula do plano de contingência montado a nível regional. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, contactada pelo SOL, não fez qualquer esclarecimento sobre esta situação.

Na semana passada também o Hospital de Setúbal chegou a ‘fechar a porta’ a mais pedidos durante algumas horas. Nestes casos, os doentes são automaticamente enviados para os hospitais que estejam mais libertos.

Ontem, à hora de fecho desta edição, continuavam a verificar-se tempos de espera elevados em alguns hospitais.

Em São José havia uma espera de 3h42 para doentes urgentes, que devem ser vistos no prazo máximo de uma hora. Em Braga havia também registo de quatro horas de espera para doentes urgentes. No Hospital de São João, no Porto, a espera era de 2h39.

Ainda assim a situação, com base na monitorização disponível no portal do Serviço Nacional de Saúde na internet, parecia mais calma do que nos dias anteriores. As noites são o período mais difícil. O tempo de espera chega a passar as dez horas, sobretudo para doentes com situações menos urgentes.

A gripe apanha também os médicos e enfermeiros que estão a trabalhar e, apesar da recomendação da Direção Geral da Saúde para que os profissionais de saúde façam a vacina, os indicadores tendem a ser baixos. Na época de 2015/2016 a vacinação dos profissionais de saúde foi da ordem dos 45% nos centros de saúde e de 24% nos hospitais. Segundo o SOL apurou, no serviço de pediatria do Hospital CUF Descobertas, cerca de 30% do pessoal está de baixa, a maioria com gripe. O absentismo estaria a causar dificuldades de pessoal. Contactado para a esclarecer o impacto desta situação, o grupo José de Mello Saúde negou dificuldades e diz que as equipas foram reforçadas.