EUA. Trump não se livra do fantasma russo

As alegações sobre material comprometedor nas mãos do governo russo não se dissiparam. Agente que as reuniu foi o responsável do MI6 pelo dossiê russo

Donald Trump não quis deixar margem para dúvidas na sua conferência de imprensa. Disse repetidamente que o governo russo não pode ter material com que o chantagear porque, para começar, sempre foi muito cuidadoso nas suas viagens a Moscovo, mas também porque não tem empréstimos ou negócios no país e porque assegura que nunca ninguém da sua equipa contactou com agentes russos sobre as operações de pirataria informática que atacaram servidores democratas e da campanha de Hillary Clinton. O relatório que o sugere está errado, disse. Os órgãos que o começaram a noticiar esta semana, prosseguiu, não são mais do que veículos de “notícias falsas” que tentam denegrir a sua imagem com uma campanha ao estilo da “Alemanha nazi” – “pessoas doentes”, lançou Trump, procurando encerrar o assunto.

Não o conseguiu. Ontem debatiam-se ainda as alegações não confirmadas de que o governo russo reuniu material comprometedor sobre Trump e tentou coordenar com a sua campanha o assalto informático aos democratas. O diretor dos serviços de espionagem norte-americanos telefonou na noite de quarta a Trump, não negando as alegações – como o presidente eleito foi dizer para o Twitter –, mas reiterando que o documento é da autoria de uma empresa de antigos jornalistas e agentes secretos que investigou o magnata, primeiro para os seus rivais republicanos e depois para a campanha de Hillary Clinton. James Clapper incluiu essa documentação na apresentação confidencial sobre as interferências russas nas eleições americanas, segundo disse, para dar “a fotografia mais completa possível sobre assuntos que podem afetar a nossa segurança nacional”.

A imagem tornou-se ontem mais clara. O “Telegraph” revelou a identidade do ex-agente britânico que elaborou o relatório em que argumenta que os russos podem ter tentado subornar Trump com negócios imobiliários, coordenado com ele as operações informáticas e até gravado imagens de sexo com prostitutas russas. O seu nome é Christopher Steele. Chegou a ser o responsável da agência britânica para a Rússia e a sua reputação não é boa notícia para Trump. Segundo disse um antigo colega de Steele ao “Guardian”, o antigo espião é um “profissional sóbrio, cauteloso e meticuloso, com um registo formidável”. O “New York Times” dava conta do mesmo ontem, consultando agentes americanos.

As alegações não estão provadas, o próprio Steele – que se escondeu entretanto com a família – diz que alguns dados são frágeis, mas, segundo a comunidade de espionagem, é necessário algum grau de veracidade para que tivessem sido consideradas importantes. O pior para Trump é que pode demorar anos até que o FBI e outras agências investiguem as alegações até ao ponto de as recusarem terminantemente – ou, pior ainda, confirmarem a sua veracidade. Até lá, o fantasma da ligação russa vai pairar sobre ele.