Os percursos pela cidade, de carro, ou naquela espécie de charrete, chamada erradamente de ‘armão’, foram mal concebidos e frustrantes. Quem imaginou tal coisa terá sonhado que milhares de portugueses acorreriam às ruas para um último adeus ao antigo Presidente da República. Aliás, fizeram-se até comparações com a multidão que saiu à rua para festejar a vitória no Europeu de futebol.
Ora, só pessoas a sofrer de profundo delírio, poderiam ter imaginado tal comparação. O antigo Presidente, um dos maiores políticos portugueses do século XX, estava muito longe de ser consensual. Milhões de portugueses admiravam-no. Outros tantos detestavam-no.
O que é costume na tradição ocidental – e praticado em Inglaterra ou Espanha – são cortejos curtos. Sucedeu assim com Margaret Thatcher ou Adolfo Suárez, com a dignidade que é devida a um Chefe de Estado, e – muito importante – com a presença em peso de todos os ramos das Forças Armadas. Ou seja: neste caso deveria ter acontecido apenas um cortejo curto entre o Palácio de Belém e o Mosteiro dos Jerónimos, que proporcionasse uma grande concentração de pessoas. Ao contrário das imagens de quilómetros de ruas desertas que vimos nas televisões.
Igualmente de lamentar foi a ausência de velório no Parlamento. É essa a tradição internacional, como apontam os casos da Austrália, Canadá ou Israel. Reservar uma mera e breve paragem à porta da Assembleia da República, como se fez à porta da sede do PS, é uma desconsideração tremenda para a primeira. A casa da democracia e uma sede partidária ainda são coisas bem diferentes.
Notou-se nisto tudo um ambiente de pirraça e guerrilha partidária totalmente escusados. Era como se a esquerda, e o PS em particular, quisessem provar alguma coisa, puxar dos galões, arejar a certidão de paternidade do regime. O aproveitamento partidário esteve sempre lá à espreita.
E os media também exageraram, como sucede frequentemente. Ouvir alguns jornalistas e comentadores foi penoso. De repente, já não era o Mário Soares que tínhamos conhecido, o político combativo contra a ditadura fascista, o político combativo contra a ditadura comunista, com falhas e erros durante a vida e com um final de carreira periclitante, com uma extemporânea candidatura à presidência da República ou o muito questionável apoio a Sócrates. De repente, mais parecia um Santo à espera de beatificação.
Moral da história: faltou sentido de Estado e respeito pelas instituições, sobretudo pela Assembleia da República e pelas Forças Armadas, que não foram devidamente valorizadas nas cerimónias fúnebres de um Chefe de Estado.
Se António Costa se tivesse dignado a comparecer, talvez as coisas tivessem corrido melhor. Ou talvez não, já que as instituições e o protocolo não são propriamente o seu forte.