Sem colocação no SNS mas recrutados como tarefeiros

Internos que concluíram a especialidade de Medicina Geral e Familiar não se conformam com demora nos concursos do Ministério da Saúde. Mobilizaram-se nas redes e na próxima semana vão iniciar uma onda de protestos. 

Internos que concluíram a especialidade de Medicina Geral e Familiar e aguardam há quase quatro meses a abertura dos concursos para serem inseridos como médicos de família no SNS estão a ser contactados por empresas de recrutamento para trabalharem nos centros de saúde, mas como tarefeiros. Para um grupo de médicos recém-especialistas, é a gota de água num processo que se arrasta desde o ano passado. Desiludidos, mobilizaram-se nas redes sociais e a partir da próxima semana prometem fazer-se ouvir.

A primeira iniciativa a denunciar a situação será uma carta aberta dirigida ao Governo, partidos e Presidente da República, disse ao SOL Francisco Nogueira, porta-voz do movimento que diz ser independente dos partidos e dos sindicatos. 


"Não conseguimos perceber o que o Estado ganha com isto: gasta mais e o sistema funciona pior"

 

Representam 80 a 100 médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar que, se fossem contratados como tal pelo Estado e não como tarefeiros através de empresas de serviços médicos, garantiriam médico de família a 200 mil  portugueses, sublinha. Atualmente, continuam a trabalhar nos centros de saúde como internos, mas nessa condição limitam-se a fazer consultas de recurso e não podem ter utentes atribuídos. «Fazemos consultas avulsas, o que não é o princípio da Medicina Familiar. Ganhamos 11 euros à hora como internos e se fôssemos contratados como especialistas ganharíamos 16 euros/hora, quando as empresas de recrutamento de prestação de serviços médicos pagam 24 euros/hora por serviços indiferenciados. E passamos os dias a ter de responder a perguntas das pessoas sobre porque é que não podem ter médico de família e se as podemos incluir no nosso ficheiro», diz Francisco Nogueira, que  depois do fim do internato, em outubro do ano passado, foi colocado no centro de saúde da Alameda, em Lisboa, ainda na condição de interno. «Depois de onze anos a estudar, somos deixados numa zona cinzenta quando já se sabe que todos os anos a formação dos médicos especialistas termina para um grupo em março/abril e para o outro em outubro». 

Se o concurso para os internos de Medicina Geral e Familiar que concluíram a especialidade em abril só abriu em setembro, os médicos que terminaram especialidades hospitalares na mesma fase continuam à espera. No caso da leva de outubro, estão à espera da abertura de concursos todas as especialidades, o que dá cerca de 800 médicos a aguardar colocação. 

A demora tem vindo a ser denunciada pelos sindicatos e pela Ordem. A 10 de janeiro, o ministro da Saúde anunciou que os concursos para contratação dos recém-especialistas seriam abertos nos ‘próximos dias’, promessa que já tinha sido feita em 2017. Foi dito então que a opção tinha sido  juntar os especialistas de ambas as fases no mesmo concurso, mas tal ainda não se verificou.

Esta semana, o Sindicato Independente dos médicos denunciou que a Administração Regional de Saúde se preparava para contratar 3553 horas semanais de serviços prestados por médicos indiferenciados a empresas. «Em vez da aposta na formação e na carreira médica, constata-se a delapidação de recursos financeiros em empresas de serviços médicos, com custos superiores e cuidados de saúde sem a diferenciação técnica e científica dos médicos da carreira médica», insistiu o sindicato.

Francisco Nogueira denuncia que é para dar resposta a essas horas que alguns internos estão a ser contactados, estranhando o facto de todos os dias receberem nos emails ofertas de trabalho deste tipo, o que considera incompreensível. «Não conseguimos perceber o que é que o Estado ganha com isto: gasta muito mais ao subcontratar serviços médicos que não têm as mesmas responsabilidades que médicos de família pois são médicos indiferenciados e faz com que o sistema funcione pior, só se alguém tem interesse que o sistema não funcione». O médico recorda ainda que o atraso no primeiro concurso de 2017 levou a que 50 médicos optassem por não ficar no SNS.

700 mil portugueses à espera 

Em 2016, o Governo estabeleceu a meta de chegar ao fim do ano com apenas 500 mil utentes sem médico de família, quando o número já foi superior a um milhão. Atualmente, de acordo com dados atualizados nos últimos dias pela tutela, há 711 mil portugueses sem médico atribuído, um mínimo histórico que ainda não alcança o objetivo. A região de Lisboa é a mais deficitária, com 528 mil utentes à espera de ter lugar na lista de um médico.