Olivier Consolo: Países usam crise para cortar na ajuda aos países pobres

Um representante das organizações não-governamentais europeias defendeu hoje em Lisboa que as políticas de cooperação não reflectem a visão dos cidadãos, adiantando que há governos que usam a crise para cortar na ajuda aos países pobres.

o director da confederação europeia de organizações não-governamentais para o desenvolvimento (concord), olivier consolo explicou que, como os objectivos da ajuda aos países pobres são estabelecidos em percentagem, quando a riqueza nacional diminui, o montante da ajuda reduz-se automaticamente.

consolo falava à agência lusa à margem do seminário internacional sobre cooperação e ajuda ao desenvolvimento em tempos de crise, que decorre até sexta-feira em lisboa.

“um país em crise, mesmo sem alterar a percentagem [da ajuda], vai contribuir menos, o que é compreensível, mas o facto de os países usarem o pretexto da crise para cortar na percentagem representa uma dupla sanção para países pobres que nada tiveram a ver com a crise financeira dos países ricos”, disse olivier consolo.

para olivier consolo “é compreensível” que um governo que se vê obrigado a cortar em todas as políticas sociais tenha que fazer escolhas e, eventualmente, cortar na ajuda, mas lembra que a maioria dos cidadãos europeus é contra a redução da solidariedade com os países pobres.

“os cidadãos europeus compreendem que é em alturas de crise que temos mais necessidade da ajuda ao desenvolvimento. por isso penso que as políticas não reflectem hoje as aspirações das pessoas em relação à cooperação e usam cada vez mais a ajuda ao desenvolvimento para promover os interesses económicos das suas empresas”, sublinhou.

a concord – confederação europeia das organizações não governamentais para o desenvolvimento monitoriza anualmente a ajuda disponibilizada pelos 27 países da união europeia aos países pobres e olivier consolo destacou, em 2012, os casos da inglaterra, que mesmo com fortes medidas de austeridade conseguiu aumentar o nível da ajuda, e dos países nórdicos que mantiveram a ajuda.

os países mais atingidos pela crise – portugal, espanha e itália – baixaram a sua ajuda aos países pobre, frisou o director da concord, considerando que no caso da itália se tratou de uma “opção política”, uma vez que a redução aconteceu antes da crise económica e financeira.

questionado sobre a nova tendência de maior envolvimento do sector privado na ajuda aos países em desenvolvimento, que esteve em debate durante a sessão inaugural do seminário de hoje, olivier consolo considerou que as empresas são bem-vindas ao debate, mas com condições.

“quando convidamos o sector privado para a mesa, devemos começar por ver se as empresas que trabalham nos países pobres pagam impostos, se não desviam os lucros conseguidos em áfrica, na ásia e na américa latina para a europa ou para paraísos fiscais”, sublinhou.

defendeu ainda o fim do “dumping social”, que coloca os países pobres em feroz concorrência pelo investimento estrangeiro, e da exploração de matérias-primas que não gera valor acrescentado para esses países.

“é preciso transformar localmente as matérias-primas para ajudar a desenvolver o país e ainda são muito poucas as empresas que o fazem”, disse, adiantando que um sector privado responsável não deve fragilizar o sector privado do país parceiro.

“há alguns anos a exportação massiva para a áfrica ocidental de asas de frango congeladas produzidas na europa destruiu em dois anos 10 anos de esforços de cooperação que vinha ajudando a indústria aviária local a desenvolver-se e a industrializar-se para ajudar a alimentar a população local”, exemplificou.

olivier consolo mostra abertura para discutir todas estas questões com o sector privado, mas recusa um debate centrado na forma como as empresas poderão usar fundos da cooperação para exportar os seus produtos “sem qualquer consideração pelos objectivos do desenvolvimento”.

lusa/sol