Guerra da Ucrânia. A Artilharia Eletrónica é a arma secreta

Ao nível político a Rússia já perdeu a guerra, mas no plano militar é surpreendente como as forças armadas russas não conseguiram usar o seu poder aéreo, a sua artilharia e as unidades de blindados com eficácia.

por Pedro Marquês de Sousa
Tenente-Coronel de Artilharia

O sucesso das forças ucranianas é devido à eficaz tecnologia de guerra eletrónica e de cyber guerra, que têm sido a “arma secreta” nesta guerra. Esta tecnologia é uma arma invisível, usando satélites, inteligência artificial, drones, misseis e radares, que apoiam as armas tradicionais (carros de combate, artilharia e meios aéreos) e neste campo a Rússia foi ultrapassada nos últimos anos, e desde o início da guerra a fuga de cérebros e as sanções no fornecimento de bens tecnológicos, têm dificultado o aparelho militar de Putin.

A guerra eletrónica

A guerra eletrónica é usada para detetar e localizar as emissões eletrónicas do adversário, para perturbar as suas comunicações, armas, a defesa aérea, radares e proteger as unidades amigas, enganando o adversário.

Logo no início da ofensiva em fevereiro de 2022, ficou claro que a Rússia foi incapaz de neutralizar os radares e os meios antiaéreos da Ucrânia, não conseguindo usar a sua força aérea. As comunicações militares russas foram escutadas, as suas unidades localizadas e os seus meios de vigilância foram seriamente afetados.

Antes da invasão as forças ucranianas já estavam a usar o sistema de comunicações rádio da NATO, o SINCGARS (Single-Channel Ground and Airborne Radio System) que se mostrou resistente às ações de guerra eletrónica dos russos.

O apoio dos Estados Unidos e de outros países ocidentais tem sido muito importante através de satélites, de aeronaves de vigilância (aviões de inteligência como os RC-135W Rivet Joint, da força aérea dos Estados Unidos e do Reino Unido) e dos sistemas de comunicações via satélite Starlink, da empresa americana SpaceX, que assegura o funcionamento de mais de 2.200 satélites de baixa órbita para fornecer internet de banda larga a mais de 150.000 estações terrestres na Ucrânia.

As forças ucranianas receberam as modernas centrais de inteligência Skykit, da empresa tecnológica Palantir, que serve para localizar as unidades russas, com um software capaz de visualizar as posições do inimigo com mapas digitais, recebendo dados de satélite e de tecnologia de imagem térmica.

Por seu lado os russos usam com menos sucesso, os sistemas TORN e SB-636 Svet-KU para detetar as unidades ucranianas (através das emissões dos seus rádios), o sistema RB-341V Leer-3s ligado aos drones Orlan-10 e os empasteladores de rádio R-934B Sinitsa e R-330Zh Zhitels que servem para bloquear links de satélite.

Logo no início da ofensiva russa, foram capturados alguns equipamentos de guerra eletrónica russos: a estação de guerra eletrónica Krasukha-4 (com um alcance de 300 km) e a Borisoglebsk-2, que serve para bloquear os sistemas de orientação de drones em voo e as minas terrestres controladas por rádio.

Foi também abatido um avião russo Su-30, do qual foi recuperado o equipamento de guerra eletrónica RTU 518 PSM, que faz parte do sistema de guerra eletrônica Khibiny-U com sistemas de interferência ativa, destinados a confundir os radares inimigos. Estas capturas permitiram conhecer melhor os sistemas, embora os russos tenham utilizado em 2022 as mesmas tecnologias que usaram em 2014 na invasão da Crimeia, no leste da Ucrânia e na Síria em 2015.


Sistema de guerra eletrónica russo Krasukha-4

 

O apoio militar à Ucrânia  

Antes da guerra, a Ucrânia tinha artilharia da era soviética, assim como sistemas de comunicações e radares semelhantes aos russos, mas em pouco tempo recebeu dos EUA, armas de artilharia de calibres NATO (105 mm e 155 mm), lança-foguetes (HIMARS e MLRS), radares de contrabateria (para localizar as baterias russas), radares para deteção de drones, rádios L3 Harris (resistentes à guerra eletrónica russa) e milhares de munições de artilharia.

O sistema HIMARS (High Mobility Artillery Rocket System) mudou o curso da guerra, por ser superior ao sistema equivalente da Rússia (Smerch BM-30) por atingir mais velocidade e alcance, podendo atingir alvos com precisão até 80 km de distância, com foguetes guiados por GPS.

A destruição da ponte de Kherson foi um dos ataques de precisão realizados por este sistema, assim como a conquista da cidade de Balakliia (90 km a sul de Kharkiv), onde as forças russas foram violentamente bombardeadas.

A ponte Antonivskiy (Kherson) sobre o rio Dnieper servia um importante itinerário de reabastecimento dos russos para Kherson e foi destruída por cerca de 18 detonações de foguetes e misseis, o que mostra que a defesa antimíssil russa não foi capaz de intercetar os foguetes HIMARS, que por atingem grande velocidade (2,5 vezes a velocidade do som) são difíceis de serem detetados e destruídos em voo.


Sistema HIMARS dos EUA

 

No início da guerra a artilharia russa tinha uma superioridade numérica de três para um (3:1) mas tal não se traduziu numa vantagem, devido ao sistema de comunicações vulnerável perante os meios de guerra eletrónica, comprometendo a segurança das suas baterias, que são referenciadas e batidas pela artilharia ucraniana. Menos de 40% dos mísseis russos atingiram os seus alvos, o que revela as limitações tecnológicas russas e a eficácia da guerra eletrónica ucraniana.

Um dos sistemas de guerra eletrónica mais importantes para a sobrevivência da artilharia ucraniana é o TLQ-32 dos EUA, que simula posições de radar, através de emissores de radiação (falsos radares) para iludir a artilharia russa e os seus misseis anti-radiação, provocando um consumo excessivo e inútil de munições, ao mesmo tempo que facilita a localização das baterias russas.   

 

Misseis Anti-Radiação

A superioridade em guerra eletrónica, permite a utilização dos misseis anti radiação AGM-88 HARM dos EUA, que têm atacado os radares de contra bateria russos, impedindo a localização das baterias de lança foguetes HIMARS, que têm sido muito eficazes contra a artilharia russa e outros alvos. Além dos mísseis AGM-88 (HARM) a Ucrânia recebeu também os misseis guiados anti-radar britânicos, Brimstone que podem ser lançados por aviões e helicópteros, mas foram instalados em viaturas civis dissimuladas.

 

Os Drones

Além das missões de vigilância, a Ucrânia tem utilizado com eficácia os drones em ações ofensivas, como aconteceu em dezembro de 2022, contra as bases as aéreas russas de Engels-2 (na região de Saratov),  Dyagilevo (perto de Ryazan) e o aeródromo de Kursk, perto da fronteira com a Ucrânia.

Recentemente (28 de fevereiro de 2023) dois drones ucranianos  UJ-22 foram abatidos pelos russos a 100 Km de Moscovo (perto das instalações da empresa de energia Gazprom) e no mesmo dia, o espaço aéreo sobre São Petersburgo foi encerrado devido à ameaça de um objeto não identificado.

Os ataques ucranianos contra os aviões bombardeiros Tupolev estacionados nas bases aéreas russas de Engels e Dyagilevo, mostram como até as forças nucleares localizadas a grande distancias, são vulneráveis às novas formas de ataque de precisão.

Em agosto de 2022, a Ucrânia reivindicou outro ataque a uma base militar na Crimeia e todas estas ações mostram o potencial das forças ucranianas em novas tecnologias.

A Ucrânia conta com drones muito recentes, como o ALTIUS-600, o AeroVironment Jump 20 e o Switchblade 600: o pequeno drone ALTIUS-600 (dos EUA) baseado em inteligência artificial, pode ser equipado com diversos sensores e uma plataforma de guerra eletrónica. O AeroVironment Jump 20 pode descolar e pousar na vertical e pode realizar missões de vigilância durante mais de 14 horas, com um alcance de cerca de 200 km e o Switchblade 600 tem um alcance maior e grande poder de fogo, para realizar missões de ataque. O caso do drone MQ-9 Reaper abatido por um avião russo em 14 de março de 2023, confirmou a operação de drones dos EUA (o MQ-9 Reaper e o RQ-4 global Hawk) a partir da base aérea de Larissa na Grécia. O drone MQ-9 Reaper é um caça não tripulado que pode ser armado com mísseis Hellfire, como os EUA usaram nos ataques aéreos no Afeganistão, na Somália e noutros conflitos.

Os drones Global Hawk foram detetados nos céus da Ucrânia antes do início da invasão russa, mas com o início da guerra foram deslocados para o espaço aéreo internacional sobre o Mar Negro e os dados recolhidos por eles foram usados pela Ucrânia no ataque à base naval russa em Sebastopol em outubro de 2022.

Além dos drones militares, os modelos comerciais têm sido importantes para localizarem alvos e fornecerem dados para a artilharia.

 

Satélites

A guerra no espaço, também tem sido intensa, pois os satélites fornecem apoio à navegação de drones, foguetes e misseis que dependem das coordenadas GPS. O bloqueio de sinais GPS pode impedir a utilização de alguns sistemas de armas ou levá-los a atacar alvos sem valor (áreas vazias) ou as próprias unidades amigas.

A guerra na Ucrânia demonstra o valor do sistema C4ISR (Comando e Controle, Comunicações, Computadores, Inteligência, Vigilância e Reconhecimento) da NATO e que o ataque eletrónico a satélites que fornecem links de comunicação e de navegação, é decisivo na guerra moderna.

Outra inovação foram os ataques cirúrgicos para eliminar generais e outros oficiais superiores russos. De acordo com várias fontes ocidentais, devido às limitações dos seus equipamentos de comunicações, os comandantes russos usaram telefones civis sem segurança eletrónica, o que permitiu a sua localização.

A artilharia russa, tem tido um fraco desempenho na localização de alvos (com os drones de vigilância Orlan-10) pois a incapacidade de usar sistemas mais eficazes como o drone Orlan-30 (com um designador a laser) tem provocado o desperdício de munições devido à falta de precisão. Foram vários os drones Orlan-30 que foram forçados a aterrar devido às ações de guerra eletrónica e que foram capturados e estudados pelos ucranianos.

Com os sistemas contra-drones fornecidos pelos Estados Unidos antes da invasão, as tropas ucranianas derrubaram centenas de drones russos, bloqueando os seus sinais de GPS ou danificando os seus componentes eletrónicos com feixes de micro-ondas de alta potência, como faz o sistema THOR (Tactical High Power Operational Responder) que tem capacidade para desativar mais de 100 drones de cada vez. 


Lança foguetes BM 27 do exército russo destruído

 

O Poder Aéreo

Com a continuação da guerra, o poder aéreo também pode aproveitar as capacidades da guerra eletrónica e por isso a força aérea ucraniana já recebeu dos EUA as bombas inteligentes JDAM-ER (Joint Direct Attack Munition-Extended Range) as sofisticadas bombas de precisão que podem afirmar o poder aéreo da Ucrânia, que ainda não se revelou. Além disso já foi feita a adaptação dos mísseis antirradiação de alta velocidade AGM-88 (HARM) dos EUA para os caças MiG-29 Fulcrum e Su-27 Flanker da Força Aérea Ucraniana e os Estados Unidos estão a adaptar também o seu avançado míssil ar-ar AIM-120 aos caças ucranianos.