Marcelo puxa pelo bloco central

O Presidente quis fazer pedagogia, apelando aos consensos, porque continua a ver o PSD como parceiro preferencial do PS para as reformas. Mas não há aproximações à vista.

Marcelo puxa pelo bloco central

Marcelo Rebelo de Sousa está convencido de que o PSD ainda é o parceiro natural do PS para entendimentos, mas sabe que a aproximação não será fácil. Por isso, depois do apelo aos «consensos setoriais de regime» feito no 25 de Abril, explicou aos jornalistas que o pedido de entendimento «não é uma corrida contrarrelógio».

De facto, os acordos entre António Costa e Passos Coelho parecem improváveis. Mas o Presidente, explica fonte próxima, quer «fazer pedagogia».
Em Belém, não se acredita que haja, nos próximos dois anos, grande margem para uma aproximação entre Costa e Passos. E as declarações do líder do PSD em entrevista ao SOL (ver pág. 8) mostram isso mesmo: «Enquanto não ultrapassarmos esta fase da miopia, enquanto existir do lado da maioria uma negação da realidade, é muito difícil concretizar consensos sobre as principais reformas que o país precisa fazer».

A declaração não surpreende Belém, onde se vê este caminho para os entendimentos como «uma tarefa de longo prazo».
Uma fonte próxima de Rebelo de Sousa admite que «a sociedade está menos crispada, mas os partidos não». E isso voltou a ser visível esta semana nos debates do Programa de Estabilidade na Assembleia da República.

Foram vários os momentos de tensão entre as bancadas da direita e da esquerda, com direito a apupos e apartes exaltados de ambos os lados, deixando evidente que a «distensão» de que o Presidente Marcelo falava no 25 de Abril ainda não chegou à Assembleia da República.

Costa mostra boa vontade à direita, mas prefere esquerda

Apesar disso, António Costa não quer ficar na fotografia como alguém indisponível para o diálogo. Esse é um papel no qual o primeiro-ministro quer encaixar o líder da oposição. Para isso, Costa vai deixando sinais de boa vontade, mesmo que eles sejam ténues e pouco consequentes. O PS não vai fechar a porta a PSD e CDS, mas Costa sabe que quem apoia o seu Governo são as bancadas de BE, PCP e PEV. Por isso, a prioridade é para se entender com a esquerda.
Ontem, os socialistas viabilizaram várias propostas que o PSD apresentou como alternativas ao Programa Nacional de Reformas, precisamente para mostrar abertura à direita.

Mas António Costa persiste em não avançar para as conversas com PSD e CDS sobre a reforma da Segurança Social que a direita continua a achar urgente. Na quinta-feira, Assunção Cristas voltou a levar o tema para o debate quinzenal com o primeiro-ministro e a resposta mostrou que António Costa prefere chutar a bola para o outro lado em vez de avançar para conversas com o lado direito do hemiciclo.

«Os consensos não se definem em abstrato, mas em concreto. Desconheço qualquer ideia sua sobre essa matéria, além do corte de 600 milhões com o qual não concordamos», respondeu Costa a Cristas, numa alusão – que tem sido recorrente sempre que se fala no tema – à redução de despesa com pensões prevista no Programa de Estabilidade entregue por Passos e Portas há um ano em Bruxelas.

Marcelo marca terreno

Neste clima, Marcelo Rebelo de Sousa fez um discurso que pode ser lido como para memória futura. A tese do Presidente é a de que, ao contrário do que muitos vaticinaram depois dos acordos à esquerda, não acabou o arco da governação. Por isso, ao longo do mandato, o Presidente vai tentar, sempre que possa, uma aproximação entre os partidos que fazem parte desse eixo: PS, PSD e CDS.

O facto de BE e PCP contestarem muitos dos compromissos internacionais assumidos por Portugal justifica esta visão do Presidente, que gostaria de ver os partidos aproximarem-se em áreas-chave da governação para garantir previsibilidade e consistência nas reformas.

Pressão para a concertação

Marcelo elencou, de resto, algumas das áreas em que acredita haver condições para «consensos setoriais de regime» com a Saúde à cabeça. Não foi por acaso que o fez. Rebelo de Sousa tem elogiado por diversas vezes publicamente o ministro da Saúde, Adalberto Campos, que está a promover um alargamento da ADSE aos privados que conta com a oposição da esquerda, mas é bem visto à direita. No PCP e no BE, os apelos ao consenso em áreas sociais fizeram soar campainhas. Catarina Martins avisou logo que o que a direita quer na Saúde não permite acordos com os bloquistas.
Em qualquer dos casos, Marcelo Rebelo de Sousa quis deixar claro que é uma peça central no xadrez político, frisando que o Presidente tem «um mandato nacional que é pela sua própria natureza mais longo e mais sufragado do que os mandatos partidários e não depende de eleições intercalares».

Na área sindical, o líder da UGT, Carlos Silva, leu a declaração do Presidente da República como um louvável apelo «à necessidade de se obter um acordo global, um pacto social». No discurso, Marcelo pediu que se repense o «fechamento» nos parceiros sociais, e Carlos Silva liga esta passagem do texto ao que aconteceu na reunião em Belém com a UGT, dez dias antes. 

«O Presidente foi muito assertivo sobre a forma como será importante para o país e para e Europa que o Governo consiga um novo acordo de concertação social», diz Carlos Silva ao SOL. Um pacto que deve elencar «duas ou três das matérias mais importantes», para mostrar que é possível o diálogo.
Carlos Silva parece mais impaciente do que o Presidente na criação dessa dinâmica. «A verdade é que o Governo está lá quase há meio ano e ainda não há esforço para haver concertação social em qualquer matéria. Nem a Segurança Social está a ser discutida», critica. 

PS e PSD adiam nomeações

Em matéria de entendimentos na concertação social, PSe PSD têm uma agenda mais urgente: a escolha do novo presidente do Conselho Económico e Social (CES). E não está a correr bem o processo de encontrar um sucessor para Luís Filipe Pereira, que substituiu Silva Peneda, quando este foi para assessor do presidente da Comissão Europeia, há um ano.

Socialistas e sociais-democratas reclamam o direito de escolher o novo líder da concertação social e essa falta de entendimento obrigou a adiar a eleição do presidente do CES, que estava prevista para se realizar ontem. 

Também foram adiadas a eleição dos novos juízes do Tribunal Constitucional e do novo presidente do Conselho Superior de Magistratura – outros testes à solidez de um entendimento entre os partidos do Bloco Central, os únicos a dispor da maioria de dois terços no Parlamento, exigida para a eleição destes cargos.  

O PS queria dar ao PSD a escolha do provedor de Justiça, como moeda de troca pelo direito dos socialistas indicarem o presidente do CES. «É uma troca que não aceitamos»,  rejeita um dirigente do PSD ao i. Passos Coelho, na entrevista ao SOL, diz que estes entendimentos são desejáveis. «Seria muito mau indicador que não os conseguíssemos», avisa o líder do PSD.