Entrevista SOL: ‘Os consensos com este PS são impossíveis’ – Passos Coelho

A entrevista tem lugar na sede do PSD, na Rua de S. Caetano à Lapa, numa sala de aspecto clássico, com gravuras antigas nas paredes. Passos Coelho chega com meia hora de atraso, vindo do Parlamento, onde participou na discussão do Plano de Estabilidade. Está vestido de acordo com a sala: fato azul-escuro, gravata vermelha…

Entrevista SOL: ‘Os consensos com este PS são impossíveis’ – Passos Coelho

Um Presidente que não cavalgue a espuma dos dias, que não dê opiniões para tentar agradar a toda a gente… Esse retrato que rejeitou não é um bocadinho o retrato do Presidente Marcelo, que fala de manhã, à tarde e à noite e quer agradar a todos? 

É muito cedo para fazer esse juízo. O Dr. Rebelo de Sousa tem um estilo muito diferente do seu antecessor. Mas preferia não fazer apreciações de estilo. Se fala mais vezes ou se fala menos, se gasta mais palavras ou se é mais frugal, se exibe ou controla mais os seus sentimentos. Isso são questões de estilo. Quando olho para o atual Presidente  vejo alguém que está bem na sua pele. Que está satisfeito. Que está contente. Que transmite aos outros essa satisfação e essa felicidade. Pode dizer-se mesmo felicidade, porque há uma certa imagem de felicidade que irradia do PR. 

Por outro lado, o PR tem-se esforçado por duas coisas. Primeiro, por mostrar uma grande cooperação e um grande apoio ao Governo, o que é compreensível, atendendo a que a sua extração política não tem nada que ver com a maioria que suporta o Governo. Portanto, quanto mais não seja para não deixar dúvidas de que não há nenhum condicionamento partidário, percebo que o PR queira mostrar o apoio ao Governo. 

Além disso, tem a preocupação de suscitar entre todas as forças políticas uma discussão mais aberta que permita consensos. Sem pressão, como ele tem dito. E quer colocar-se como um facilitador desse diálogo, entendendo que, para que ele possa ser bem sucedido, é preciso criar uma certa ‘descrispação’ entre os agentes políticos. Mas a realidade tem mostrado que o desafio é imenso. As dificuldades têm sido diárias em conseguir obter uma base de racionalidade para a conversa interpartidária. Será a parte mais difícil de concretizar. 

Quer dizer que os consensos que o PR propõe não são possíveis? 

Depende do que estamos a falar. Precisaremos de ter um entendimento com o PS para substituir os juízes do TC. É deste consenso que estamos a falar? Eu espero que sejamos capazes de escolher em conjunto esses novos juízes. Ou os representantes do Parlamento para o Conselho Superior de Magistratura. Ou o Presidente do Conselho Económico e Social. Ou o Provedor de Justiça. Se é destes consensos que estamos a falar, seria muito mau indicador que não os conseguíssemos. 
Agora, se estamos a falar em consensos para gerar apoio para reformas estruturais, aí já é preciso começarmos a falar um bocadinho melhor daquilo que defendemos e que pensamos. Por exemplo: o futuro do país está indissociavelmente ligado à nossa capacidade para atrair investimento direto externo. Ora, um Governo apoiado em forças políticas anti-mercado e anti-investidores gerará uma base adequada de consenso para atrair investimento externo? Tenho dúvidas.

Mas não tenho preconceito. As forças políticas podem evoluir. O BE e o PCP podem perfeitamente fazer um revisionismo daquilo que tem sido a sua crítica ao capitalismo e à economia social de mercado – e de repente acharem que sim, que é importante atrair investimento direto externo. Se isso acontecer, então é preciso que as políticas do Governo sejam consistentes com essa afirmação. 

Nós tínhamos uma estratégia: tornar o investimento mais atrativo do ponto de vista fiscal. O Governo inverteu essa opção. Não só reverteu reformas que eram importantes para atrair o capital externo, como o afugenta por falta de atrativos fiscais.

Mais pontos de discórdia… 

Nós achamos que existe um problema sério no sistema providencial de pensões. O Governo faz de conta que esta situação não existe e vai empurrando essa realidade lá para a frente – o que agravará o défice e a dívida geradas pelos sistemas providenciais. E ficarão mais em causa os pagamentos de pensões. 

Usando um argumento da Dra. Teodora Cardoso, a atual maioria acha que a realidade sofre de um enviesamento ideológico. Portanto, o facto de não termos dinheiro para pagar pensões é uma questão ideológica. É um problema que os partidos à direita do PS querem criar mas que não existe… Enquanto não ultrapassarmos esta fase da miopia, enquanto existir do lado da maioria uma negação da realidade, é muito difícil concretizar consensos sobre as principais reformas que o país precisa fazer. 

Falou do apoio do PR a este Governo. Mas isso não o incomoda? O PS, ainda há meses,  criticava o apoio que Cavaco Silva dava ao seu Governo… 

É uma diferença de estilo. O Presidente Cavaco era uma pessoa bastante mais sóbria nas palavras e nas atitudes públicas do que o Presidente Rebelo de Sousa. Mas a crítica do PS era particularmente injusta. Porque Cavaco Silva teve durante os primeiros anos da governação de José Sócrates  um empenho público grande em criar colaboração e proximidade com o Governo. Os tempos de maior tensão aconteceram bastante mais tarde, quando o próprio Governo entrou numa rota de colisão com quase toda a gente. O apoio que Cavaco Silva me deu teria sido dado a qualquer outro primeiro-ministro que tivesse nessa época desempenhado as funções que desempenhei.