Cinco áreas de difícil consenso

O Presidente quis fazer pedagogia, apelando aos consensos, porque continua a ver o PSD como parceiro preferencial do PS para as reformas. Mas não há aproximações à vista.

Cinco áreas de difícil consenso

Saúde. Entre o público e privado

Na Saúde, «o que aproxima é, cada vez mais, mais do que aquilo que afasta». Foi assim o segundo apelo de Marcelo a um pacto no setor. Seguir as propostas  da Gulbenkian, de 2014, é o repto que mais se tem repetido: ditavam mais serviços de proximidade e prevenção (com sinergia entre privados e setor social).

Para o bastonário dos Médicos, só há consenso em teoria porque mesmo a ideia de um SNS mais sustentável tem duas leituras: fazer mais com mais orçamento ou fazer menos com menos défice (os «cortes» do governo anterior). José Manuel Silva diz faltar decidir  se o Estado financia e presta cuidados ou se só financia e os serviços públicos, com listas de espera e menos qualidade, ficam para quem não tem alternativa.

A exclusividade dos médicos é outro sinal do consenso ilusório. Na sua opinião, não sairia mais caro que recorrer a empresas de prestação de serviços e permitiria reforçar a resposta no SNS.

Segurança Social. Reforma recusada

O apelo a consensos na Segurança Social não é uma inovação. Esta necessidade é invocada há anos, para que possa ser desenhada uma reforma do sistema que trave o crescimento da despesa com pensões. Mas a dificuldade de concretizá-la é evidente, com recusas sistemáticas entre partidos.

O último repto foi lançado pelo PSD no início deste mês. No Congresso, Passos manifestou-se preocupado com a sustentabilidade da Segurança Social e voltou a desafiar o PS para uma discussão conjunta. Recebeu  um pronto ‘não’, pela voz de Carlos César, líder do grupo parlamentar socialista.

E se juntar PS e PSD já é difícil, alargar um entendimento aos partidos de extrema-esquerda é quase utópico. Uma redução significativa da despesa com pensões, com efeitos a curto prazo, implica uma redução dos montantes que os pensionistas recebem, e essa é uma das linhas vermelhas dos acordos entre PS, PCP e BE que viabilizaram este Executivo. 

Banca. Qualquer solu ção é fraturante

O consenso em torno da estabilidade do sistema financeiro significa que teria de haver acordo entre partidos para as soluções que estão a ser desenhadas para os bancos em dificuldades, o que se afigura difícil.

O Bloco Central até funcionou na intervenção no Banif, com o PSD a abster-se na proposta de orçamento retificativo do PS. Mas qualquer tentativa de um consenso alargado esbarra nas forças  mais à esquerda, que votaram contra.
Na génese, PCP e Bloco querem um sistema bancário com uma posição dominante do Estado, o que é pouco conciliável com as regras europeias que os outros partidos defendem.

A venda do Novo Banco está precisamente a mostrar essa fricção: PCP e BE defendem a nacionalização do banco, a direita defende a venda e o PS está no meio. O Novo Banco foi até o pretexto para um dos mais fortes ataques de Catarina Martins a António Costa, num debate parlamentar.

Justiça. Não mudar tudo outra vez

Mais do que uma nova grande reforma, a Justiça precisa agora de meios humanos (faltam mil funcionários e 200 magistrados do Ministéio Público) e tecnológicos (o Citius continua pouco fiável).

Por isso, a inclusão da Justiça no discurso do Presidente foi entendida no setor como um apelo a que não se ceda nesta legislatura à tentação de tudo mudar, nomeadamente leis e mapa judiciário. Ambos foram profundamente alteradas nos últimos anos e espera-se agora que a ministra e a maioria de esquerda façam acertos e não dereabram pura e simplesmente tribunais que fecharam, como pretendem muitos autarcas.

Depois, há temas que têm sido muito discutidos nos últimos anos e em que terá de haver um entedimento mais tarde ou mais cedo: penalizar de forma constitucional o enriquecimento injustificado (relativamente consensual) e retirar processos dos tribunais, alargando as possibilidades de arbitragem privada (difícil de ter o apoio de PCP e BE, mais fácil com o PSD).

Sistema político. Missão impossível

Os partidos de esquerda até se anteciparam ao pedido de Marcelo de um país «mais transparente na vida política», com projetos para alargar incompatibilidades dos deputados. Foi criada  a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, que tratará ainda o enriquecimento injustificado. Mas o consenso não se prevê fácil, muito menos nesta sessão legislativa.

O Presidente pediu ainda que se repense «o fechamento no sistema de partidos e nos parceiros sociais». Neste ponto, a abertura da concertação social aos reformados é uma velha aspiração da APRE!, cuja  presidente, Rosário Gama, assegurou o apoio do PR.

Mais problemáticas são as alterações ao sistema político: CDS, PCPe BE unir-se-ão contra reduções de deputados ou mudanças nos círculos eleitorais, um velho projeto do Bloco Central (que o PS não quererá retomar, pondo em risco a ‘geringonça’).