Consultas em qualquer hospital do país

Prometida há anos, a liberdade de escolha no Serviço Nacional de Saúde começa a ganhar forma. Se tudo correr como previsto, maio é mês de transição e daqui para a frente vai ser possível ter acesso a consultas de especialidade em qualquer hospital do país. Os despachos da tutela sobre esta matéria foram ultimados no…

Consultas em qualquer hospital  do país

Médicos obrigados a aceitar

Até aqui, os médicos de família encaminhavam os doentes apenas para os hospitais da zona de referência. Nos últimos anos esta tornou-se praticamente a única forma de ter acesso a uma consulta nos hospitais públicos. Em algumas unidades mais especializadas, como o IPO de Lisboa, os doentes podem tentar pedir consulta por sua iniciativa, mas a grande maioria deixou de aceitar casos que não sigam as redes, até porque, com orçamentos mais apertados e maior controlo dos défices, tornou-se difícil  acomodar casos imprevistos. 

Com a nova regra, os hospitais passam a estar obrigados a aceitar todos os doentes que lhes sejam encaminhados pelos médicos de família, venham de onde vierem. O processo previsto é relativamente simples: ao indicar o doente para consulta de especialidade, surgirá no programa informático do médico de família uma lista com os dez hospitais mais próximos com valência pedida – uma vez que nem todos os hospitais têm todas as especialidades ou tratam casos específicos como o cancro. Surgirão também os tempos de espera. 

A partir desse momento, em  diálogo com o médico, e em virtude da urgência, o doente poderá escolher para que hospital dessa lista quer ser encaminhado ou optar por ir ainda mais longe. Uma eventual comparticipação do transporte será também pedida no centro de saúde, mas é garantida a todos. Ao que o SOL apurou, serão aplicadas as regras do transporte de doentes revistas recentemente, que estipulam isenções para doentes com incapacidade igual ou superior a 60% e insuficiência económica, doentes que precisam de cuidados prolongados (como situações de oncologia ou transplante) e menores com doença limitante e carência económica.
 
Implementação gradual

«Este mecanismo será alargado de forma progressiva a todo o país até final do mês de maio», informou ontem ao SOL a tutela. 

O calendário é faseado, mas não deixa de ser ambicioso. Fonte do ministério indicou que, na segunda-feira, começam os testes dos novos parâmetros da aplicação informática em alguns centros de saúde da região de Lisboa. A 9 de maio, esses mesmos centros iniciam a experiência com os doentes. Só depois deste teste-piloto haverá o alargamento ao resto do país, o que significa escalar a liberdade a mais de 6.000 médicos nos centros de saúde, que por dia veem cerca de 60 mil pessoas.

A informação necessária é outro desafio. Neste momento, o portal do SNS na internet só disponibiliza ao público informação sobre os tempos de espera para consulta em 2015, mas o ministério indicou que os profissionais de saúde terão dados mais atualizados, como os tempos de resposta de cada instituição nos últimos três meses e o número de doentes em espera.

Problemas: verbas e PPP

O primeiro ano vai ser um teste para o sistema, disse ao SOL fonte do ministério. No futuro, a operacionalidade da medida vai depender do número de doentes a circular e também da capacidade do Estado para financiar os hospitais. Este ano, a margem é praticamente zero: há uma reserva que dificilmente chegará para cobrir a atividade se os hospitais acabarem a produzir mais para dar respostas mais rápidas a doentes de outras zonas. No futuro, o objetivo é reforçar a concorrência entre as instituições e ter reflexo no financiamento, servindo de estímulo a melhorar qualidade e eficiência no SNS. Mas é preciso haver verbas.

Há outro problema à vista: os contratos de gestão dos hospitais em regime de Parceria Público-Privada (PPP), como Loures ou Braga, estabelecem um limite de 10% na prestação de cuidados a doentes de fora das suas áreas. E se excedem esse teto são penalizados. Se muitos doentes preferirem ir para estes hospitais, poderá haver mais uma guerra de pagamentos entre privados e Estado, como a que se viu nos últimos dias em torno dos doentes com sida e esclerose múltipla em Braga – com a tutela a dizer que o hospital pode atender os doentes, mas sem receber mais financiamento por isso. 

Questionado sobre este aspeto, o ministério esclareceu que, caso o limite de consultas nas PPP seja excedido, os doentes deverão ser acompanhados «numa outra unidade de saúde do SNS».  

Como serão os médicos informados ou se haverá motivo para renegociar contratos são questões em aberto, apurou o SOL. Em Loures, antecipa-se o problema. Desde a abertura desta PPP que os doentes de algumas freguesias,  como Sacavém, continuaram a pertencer ao Centro Hospitalar de Lisboa Central. Numa recente entrevista à TVI, o ministro Adalberto Campos Fernandes referiu precisamente as injustiças entre freguesias como um dos motivos para avançar com a liberdade de escolha – dando como exemplo os doentes de Ourém que pertenciam a Lisboa e Vale do Tejo e agora passam a poder ir a Leiria.

Desde 2008 que está prevista alguma liberdade de escolha nas consultas hospitalares. O Governo anterior prometeu avançar com um modelo semelhante a este, mas problemas informáticos motivaram sucessivos atrasos. Nos documentos técnicos da contratualização hospitalar para este ano, antevia-se um arranque apenas a nível regional, mas a decisão política acabou por ir mais longe. Um SNS «sem limites e barreiras» foi a visão partilhada pelo ministro da Saúde.